André Gustavo Stumpf*
França e Estados Unidos mantêm um curioso caso de influência política recíproca. Quando os norte-americanos proclamaram a independência das 13 colônias da Inglaterra, em 1776, seguiu-se uma guerra que durou até 1781. O governo francês auxiliou os rebeldes da América com navios de guerra, munições e soldados. A independência da antiga colônia inglesa se antecipou e assimilou os princípios políticos da repartição do poder que seriam consolidados na Revolução Francesa de 1789. Os laços entre os dois países são antigos e tradicionais, tanto que Alexis de Tocqueville, francês, escreveu, no início do século 19, seu célebre A democracia na América.
Essas lembranças vêm a propósito da antecipação das eleições gerais na França. Foi a decisão de Emmanuel Macron para unir grupos contra a extrema direita, que aparecia nas pesquisas como favorita para vencer o pleito. Alcançou seu objetivo. A extrema-direita foi derrotada. Os norte-americanos replicaram o movimento francês. Joe Biden, o presidente cujo prestígio eleitoral estava em baixa, fez o grande gesto: anunciou sua retirada da corrida eleitoral para impedir a ascensão da extremadireita e abrir caminho para novas ideias. O novo caminho tem nome: Kamala Harris.
A vice-presidente, de 59 anos, tem currículo brilhante. Com bacharelado em artes na Howard University, instituição de ensino destinada à educação de negros, situada em Washington DC, e direito na Faculdade Hastings, UCLA, é filha de migrantes, mãe nascida na Índia e pai jamaicano. Foi promotora de justiça na cidade de San Francisco, procuradora-geral da Califórnia, senadora por aquele estado e vice-presidente no governo Biden. Discreta, passou os últimos anos calada, com a preocupação de sempre ocupar o fundo da cena quando o presidente estava em primeiro plano. Esperou o seu momento. Ele chegou de repente. E, no espaço de poucos dias, ela conseguiu o feito de bater todos os recordes de arrecadação de fundos. Mais de 100 milhões de dólares.
A incrível reviravolta na eleição norte-americana aconteceu no espaço de uma semana, após o atentado contra o candidato Donald Trump e depois de ele ter sido entronizado como candidato oficial dos republicanos ao poder. A fatura parecia liquidada. Mas o inesperado fez uma falseta. Apareceu a novidade Kamala Harris, com seu sorriso aberto e o sopro de juventude numa eleição dividida entre dois velhos com ideias antigas. Ela representa o novo, por ser filha de migrantes. Nada mais surpreendente por ser completamente diferente da matriz original norte-americana, que é o modelo branco, protestante e anglo-saxão. Negra, casada com advogado bem-sucedido na profissão, adotou os filhos do primeiro casamento do marido.
- Leia também: Oração para as mulheres olímpicas
Salvo o fato novo e o inesperado, a campanha vai correr nos trilhos até novembro, quando os norte-americanos forem às urnas. Os democratas que estavam fora do jogo voltaram à competição. Passaram a ter chances reais. Trump, contudo, não está derrotado. Ele é um pilantra, capaz das maiores vilanias, mas sabe lidar com a imprensa e se projetar de maneira a impressionar o eleitorado. Kamala Harris conhece as artes do debate. Já disse que, por sua experiência na área criminal, conhece tipos como Trump. Completou afirmando que 'nós queremos proibir armas, eles, livros'. Os norte-americanos votam por suas causas e ideias. O americano médio vota com pensamento no emprego, na inflação, na assistência médica e na poupança necessária para mandar o filho para universidade.
A expectativa na Europa é imensa por causa da guerra na Ucrânia. Ninguém entendeu até agora o brutal erro estratégico de Vladimir Putin ao invadir o país vizinho. Ele esperava vencer em algumas semanas. Já se passaram dois anos e os conflitos estão estacionados na fronteira. Analistas ingleses dizem que os russos estão com dificuldades de repor equipamento bélico e munições. Eles, segundo aquelas fontes, perderam mais de 4.500 tanques de guerra. O próximo passo deve ser algum tipo de armistício ou o aprofundamento do conflito. A força aérea norte-americana enviou dois B-52, bombardeiros capazes de lançar bombas atômicas, para uma base na Romênia, distante menos de 100 quilômetros do teatro da guerra.
- Leia também: Artigo: Brasil e as eleições da Venezuela
No Brasil, os bolsonaristas estão em alerta. A eventual vitória de Trump significa melhores possibilidades para a extrema direita vencer a eleição no país. A campanha de Kamala Harris vai jogar a questão da idade para o candidato republicano. Trump, agora, é o velho que concorre contra o novo. Lula, se concorrer a um novo mandato, terá em 2026 a mesma idade que Biden tem hoje, 81 anos. O argumento do velho, senil e inapto para o cargo poderá ser utilizado contra ele, como o foi contra o saudoso Ulysses Guimarães, na eleição de 1989.
*Jornalista
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br