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Artigo: Direito humano à alimentação adequada e saudável

O momento é desafiador e demanda união de esforços — poderes Executivo, Legislativo e Judiciário — no sentido de avançarmos na direção de uma Reforma Tributária que fortaleça sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis

À medida que essas políticas públicas chegam de forma mais efetiva à população, o número de pessoas em condição de insegurança alimentar e nutricional tende a diminuir -  (crédito: Reprodução/ unsplash/ Matilda bellman)
À medida que essas políticas públicas chegam de forma mais efetiva à população, o número de pessoas em condição de insegurança alimentar e nutricional tende a diminuir - (crédito: Reprodução/ unsplash/ Matilda bellman)

Lilian Rahal*, Wellington Dias** 

A Constituição Federal diz que toda pessoa tem direito a se alimentar bem: o Direito Humano à Alimentação Adequada, disposto no Artigo 6º, está no centro da Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional que vem se consolidando no país, sobretudo nas últimas décadas. À medida que essas políticas públicas chegam de forma mais efetiva à população, o número de pessoas em condição de insegurança alimentar e nutricional tende a diminuir. 

É o que mostra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) divulgada em março deste ano pelo IBGE: mais de 20 milhões de pessoas saíram da situação de fome no Brasil em 2023, ano que marca a retomada de uma série de ações do governo federal voltadas para a agenda pública da segurança alimentar e nutricional. Dados extraídos do Relatório da ONU sobre a Insegurança Alimentar Mundial (SOFI 2024) reforçam que a insegurança alimentar severa caiu 85% no Brasil em 2023. Em números absolutos, 14,7 milhões deixaram de passar fome no país. A insegurança alimentar severa, que afligia 17,2 milhões de brasileiros em 2022, caiu para 2,5 milhões. Percentualmente, a queda foi de 8% para 1,2% da população. Com o Plano Brasil Sem Fome, o Brasil começa a colher o melhor resultado do mundo na luta contra a fome e na redução da extrema pobreza, alcançando o mais baixo nível de desigualdade da nossa história.

No entanto, se por um lado, garantir o acesso das pessoas à comida de verdade é o caminho para o bem viver, o consumo de ultraprocessados acarreta sérios riscos para a saúde das pessoas. Estudo inédito, realizado por pesquisadores do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP (Nupens), em conjunto com pesquisadores de outras instituições renomadas do Brasil e do Chile, calcula que o número de mortes no Brasil associadas ao consumo de alimentos ultraprocessados pode chegar perto de 57 mil ao ano.

Os pesquisadores alertam, ainda, que essas mortes prematuras não se restringem somente ao consumo dos nutrientes em excesso, presentes nos ultraprocessados, como o açúcar, a gordura e o sal, mas também ao caráter inflamatório desses alimentos e até com suas embalagens, que podem liberar substâncias tóxicas.

Outro grave problema associado ao consumo de ultraprocessados é a obesidade, que traz como consequência a exposição a comorbidades, como doenças cardiovasculares, diabetes, doença renal crônica, cirrose e cânceres. Atualmente, 34% dos brasileiros têm obesidade e 22% estão acima do peso.

E, se o presente é preocupante, as perspectivas de futuro são ainda mais alarmantes. Caso sejam mantidos os padrões atuais de consumo, estudos apontam que quase metade da população brasileira (48%) será obesa nos próximos 20 anos e outros 27% viverão com sobrepeso. Ou seja, três quartos da população adulta brasileira — 130 milhões de pessoas — terá obesidade ou sobrepeso até 2044. 

Assegurar o Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável não é desafio apenas de um setor de governo, mas tarefa transversal, que envolve um conjunto de ações, programas e políticas públicas que correspondam às múltiplas faces da existência humana.

Em março, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) celebrou a publicação do Decreto Presidencial Nº 11.936/24, que dispõe sobre a composição da cesta básica de alimentos no âmbito da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e da Política Nacional de Abastecimento Alimentar. Essa ferramenta, criada a várias mãos, sob a coordenação da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do MDS, tem a finalidade de orientar as políticas públicas relacionadas à segurança alimentar e nutricional, sejam elas de produção, abastecimento, consumo ou tributárias.

A oportunidade histórica que vive o nosso país, de construir uma Reforma Tributária que contribua com a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável e com o combate à fome passa pelo potencial intrínseco desse conjunto de leis a ser aprovado pelo Congresso Nacional, de criar mecanismos que desonerem os alimentos in natura e minimamente processados, priorizando, também, os produtos da sociobiodiversidade. Da mesma forma, a tarefa de construirmos um Sistema Tributário focado na promoção de uma alimentação verdadeiramente saudável implica em definir impostos que incidam sobre aqueles produtos prejudiciais à saúde, como o caso dos ultraprocessados, como as bebidas açucaradas. 

O momento é desafiador e demanda união de esforços — poderes Executivo, Legislativo e Judiciário — no sentido de avançarmos na direção de uma Reforma Tributária que fortaleça sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis, que garanta a todas as pessoas o direito de se alimentar de forma a alcançar a plenitude do bem viver e a saúde do planeta.

*Secretária de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS)

**Ministro do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS)

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postado em 28/07/2024 06:00
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