Ilan Zugman — Ativista climático brasileiro e diretor da 350.org para a América Latina;
Fanny Petitbon — Ativista climática francesa e líder de equipe da 350.org na França
Nesta semana, enquanto a França abre os Jogos Olímpicos com um cinematográfico desfile de barcos pelo Rio Sena, em Paris, o Brasil comanda, sob o agradável Sol de inverno do Rio de Janeiro, uma reunião de ministros das Finanças do G20, grupo formado pelas 19 maiores economias do mundo mais a União Africana e a União Europeia.
Além de exercerem o papel de anfitriões de eventos internacionais, os governos dos dois países estão ligados de outra forma, no caso da reunião do G20: são os principais defensores de uma proposta de taxação dos super-ricos que pode representar um avanço histórico na busca por justiça social e ação climática.
A conexão entre a taxação dos super-ricos e a implementação de medidas para aliviar a pobreza e a emergência climática é simples. Para financiar soluções para essas crises que ameaçam o planeta, um dos caminhos mais justos e viáveis, segundo economistas que estudam o tema há décadas, é implementar um imposto global sobre a riqueza extrema. Estima-se que a tributação dos super-ricos poderá arrecadar mais de US$ 680 bilhões por ano, que deverão ser direcionados para o combate à pobreza e à crise climática.
Os governos brasileiro e francês têm defendido abertamente, nas negociações do G20, a adoção dessa ideia pelos países do grupo. Em abril, os ministros da economia Fernando Haddad (Brasil) e Bruno Le Maire (França) anunciaram a proposta de que as maiores economias do planeta comprometam-se a instituir um padrão de taxação sobre indivíduos no topo da pirâmide. São cidadãos que, muitas vezes, escapam do pagamento de impostos, por meio de brechas tributárias, e acabam contribuindo menos para a coletividade do que a média da população.
O padrão de taxação em debate consistiria em tributar a riqueza dos multimilionários e bilionários em pelo menos 2% anualmente, e a aplicação desse acordo ficaria a cargo de cada Estado nacional ou bloco econômico. Após a apresentação da proposta franco-brasileira, ministros da Alemanha, África do Sul e Espanha demonstraram apoio à medida e, em seguida, como anfitrião do G20 em 2024, o Brasil encomendou uma investigação a respeito da viabilidade do imposto sobre as fortunas. Os resultados foram publicados pelo economista francês Gabriel Zucman em junho, o que trouxe ainda mais impulso ao esforço para preencher a lacuna de financiamento para o clima e o desenvolvimento. As conclusões do relatório de Zucman mostram que uma taxa sobre os ativos dos super-ricos poderia ser aplicada globalmente com sucesso, mesmo que nem todos os países adotassem a proposta.
Vale ressaltar que pouquíssimos indivíduos veriam sua carga tributária aumentar: somente aqueles com patrimônio de mais de US$ 100 milhões (cerca de R$ 560 milhões). Ainda assim, essas pessoas são tão ricas que uma pequena porcentagem do que elas possuem já poderia contribuir de forma significativa para resolver injustiças históricas e proteger milhões de vidas dos desastres que a crise climática agrava.
Com os recursos obtidos sendo aplicados em políticas pelo clima, será possível expandir as energias renováveis e, assim, substituir o uso de petróleo, gás e carvão, fontes principais das emissões de gases que provocam a emergência climática. Também haverá mais recursos para medidas como a expansão do transporte público, a eficiência energética e a capacitação de trabalhadores para atividades mais sustentáveis. Os benefícios econômicos serão enormes, incluindo a geração massiva de empregos e o desenvolvimento de novas cadeias produtivas.
Além disso, as medidas de adaptação climática, tão necessárias para o Brasil e outros países em desenvolvimento, poderão ganhar tração. Faz mais de uma década que os países ricos prometem financiar essas ações, mas os recursos efetivamente direcionados à adaptação ainda ficam muito abaixo do necessário. Não podemos esperar para tomar medidas de proteção das comunidades vulneráveis aos desastres climáticos, como vimos recentemente, no caso das enchentes extremas no Rio Grande do Sul. A inação climática custa muito mais caro do que a ação tomada no momento certo.
Por essas razões, Brasil e França precisam aproveitar o apoio crescente de outros países à taxação dos super-ricos e fazer tudo que estiver a seu alcance para construir confiança e vontade política em torno do tema. Para o Brasil, em particular, liderar um avanço histórico nessa pauta, em solo brasileiro, seria muito simbólico. No fim das contas, a cena que esperamos ver é essa: na sexta-feira, enquanto a França estiver abrindo os Jogos Olímpicos de Paris, o Brasil estará encerrando a reunião do G20 e levando consigo uma medalha de ouro valiosíssima: a da contribuição para um financiamento climático que faça jus ao que o mundo precisa.
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