Beatriz Benedito — Mestra e bacharela em políticas públicas e analista de políticas públicas no Instituto Alana
O texto base do novo Plano Nacional de Educação (PNE), fruto do trabalho do Ministério da Educação (MEC) para sistematizar discussões da sociedade civil, congresso e representantes de estados e municípios, foi enviado, no fim de junho, ao Congresso Nacional, onde deve encontrar enfrentamentos para manter a equidade e inclusão como centro do debate público.
O PNE 2014-2024 também foi construído a partir de um longo processo de mobilização social e previu, em sua primeira meta, o acesso universal de crianças de até 4 anos na educação infantil em 2016. Em 2023, o número de crianças de 4 e 5 anos matriculadas era de 95,6%, segundo o Censo de 2023. As crianças dessa faixa etária que, atualmente, não frequentam a escola são, em sua maioria, negras, do Norte e Nordeste do país, segundo a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (Pnad).
No ensino fundamental, não foi diferente: não se cumpriu a universalização das matrículas, muito embora os resultados cheguem próximo aos 95% previstos no PNE. A diferença entre negros e brancos é da casa de 10%, evidenciando como o Estado segue reproduzindo as desigualdades sociais e raciais por meio de políticas que falham com crianças e adolescentes negros ao longo de suas trajetórias escolares.
Para que todas as crianças e adolescentes estejam juntos, na mesma sala de aula, o PNE vigente previu a universalização do acesso à escola para crianças e adolescentes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. A presença de estudantes da educação especial nas escolas ao longo do tempo tem aumentado em classes comuns e diminuído em classes segregadas. Isso quer dizer que mais crianças e adolescentes da educação especial têm acessado a escola comum, ficado por mais tempo e aprendido melhor. A qualidade da educação deve acompanhar essa presença: ampliando a formação continuada de professores, o número de escolas com itens de acessibilidade, recursos multifuncionais e atendimento educacional especializado.
A questão racial também deve estar no centro da construção do novo PNE. Em 2023, o Geledés — Instituto da Mulher Negra e o Instituto Alana publicaram uma pesquisa sobre a implementação da Lei nº 10.639/03, que institui o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira. Os principais achados foram que 71% das redes públicas não implementam o principal instrumento de combate ao racismo nas escolas e que apenas 24% das secretarias municipais observam dados de raça e cor para orientar suas políticas educacionais.
Isso significa que a maioria dos municípios não considera para a formulação e implementação de políticas que, das 9 milhões de pessoas entre os 14 e os 29 anos que abandonaram a escola, 71,6% são negras e 27,4% brancas. Ou ainda, que 100% das escolas mais pobres são majoritariamente negras — ou seja, são escolas que não têm coleta de lixo, rede de esgoto, um terço delas não tem acesso à água potável, segundo dados publicados recentemente pelo Observatório da Branquitude.
Para a construção do novo PNE, é fundamental renovar o compromisso com a participação social. O texto base apresentado pelo Executivo demonstra esse interesse ao trazer como inovação a atenção ao enfrentamento das desigualdades, dando ênfase em qualidade, aprendizagem com qualidade, metas específicas para educação escolar indígena, educação do campo e educação escolar quilombola e educação integral.
Mas ainda é importante se manter vigilante no andamento do processo no Congresso Nacional. Os movimentos sociais, as organizações da sociedade civil, os pesquisadores e trabalhadores da educação, que se mobilizaram nos últimos anos para o cumprimento e monitoramento das metas, continuarão a se mobilizar diante dos novos desafios para a defesa de uma política inclusiva e equitativa, zelando por uma universalização qualificada da escola. Para que o direito de crianças e adolescentes à educação seja também o acesso a uma educação inclusiva, antirracista e democrática.
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