Cesar Victor do Espírito Santo — Engenheiro florestal e conselheiro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama),representando a sociedade civil da Região Centro-Oeste
A Câmara dos Deputados aprovou, neste mês, o Projeto de Lei da Reforma Tributária, que, agora, segue para o Senado Federal. Infelizmente, não se considerou uma estratégia para, por meio dessa reforma, frear o desmatamento dos dois maiores biomas brasileiros — a Amazônia e o Cerrado —, bem como a emissão de gases do efeito estufa. Mais de 70% das emissões nacionais de gases de efeito estufa são provenientes das atividades agropecuárias caracterizadas, principalmente, por: gás carbônico (CO2), emitido pelo desmatamento, mudança no uso da terra e queimadas; metano, que é 30 vezes mais poderoso do que o CO2 e emitido pelo processo digestivo do gado (2/3 do metano é liberado pelo gado); e óxido nitroso, que é 300 vezes mais poderoso do que o CO2 e emitido pelos nitratos de fertilizantes artificiais que reagem com o oxigênio do ar e, também, pela decomposição do nitrogênio no esterco e na urina do gado.
As renúncias fiscais concedidas ao agronegócio, especialmente para a produção de carne e de soja, são os principais indutores do contínuo desmatamento desses biomas. Com a Reforma Tributária aprovada na Câmara dos Deputados, isso será mantido e expandido, em função da alíquota zero para quem comercializa carne e de alíquotas reduzidas para os produtores agropecuários. As alíquotas para a aquisição e importação de insumos agrícolas, como agrotóxicos (inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas e outros venenos), sementes, adubos, calcáreo, ureia, rações, entre outros, têm redução de alíquotas em 60%.
O Brasil deixa de arrecadar anualmente bilhões de reais com essas concessões que induzem o desmatamento e permanece como um exportador de matérias-primas, especialmente commodities agrícolas. Dessa forma, mantêm-se como um país subdesenvolvido, considerando que está em 89º lugar entre todas as nações do mundo no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) calculado pela ONU, apesar de possuir a oitava economia global (PIB), caracterizando-se como um país de grandes desigualdades e concentrador de renda.
O Brasil é o maior exportador de carne e de grãos de soja do mundo, e o consumo só tende a aumentar. Ou seja, podemos dizer que, para cada cabeça de gado abatida para o consumo, uma parte da Amazônia está sendo desmatada, e, para cada saca de soja produzida, uma parte do Cerrado é destruída. Se não houver estratégias inteligentes na concessão de incentivos fiscais, vamos continuar assistindo à destruição do Cerrado e da Amazônia de forma legal e incentivada.
O que se verificou na discussão e nas audiências públicas sobre o projeto da reforma tributária foram lobbies de todos os segmentos da economia para garantir isenções para os seus setores, sem estratégias adequadas frente aos impactos ao meio ambiente. O que não se viu, ou não teve repercussão, foram lobbies relacionados aos incentivos que levem à proteção dos biomas — seja pela bancada parlamentar ambientalista, que não sei o que de concreto conseguiu nos últimos anos, seja da própria sociedade civil organizada, que, nos últimos tempos, anda meio desorganizada e desmobilizada.
Mas, o que poderia ser feito em termos da Reforma Tributária sem prejudicar o setor agropecuário e frear o avanço da fronteira agrícola nesses biomas? Algo simples e direto seria a não concessão de qualquer tipo de incentivo para quem pretende desmatar novas áreas para produzir. Apenas nas áreas já consolidadas seriam mantidos os incentivos, sendo que, no caso da carne, poderia se pensar em conceder incentivo de alíquotas zero, prevista para produtos da cesta básica, apenas para o que for consumido no mercado interno. O que for exportado de carne não teria essa alíquota zero.
No caso dos agrotóxicos, poderia ser prevista a inclusão de critérios de toxicidade na tributação, sendo que os mais tóxicos pagariam mais, por meio do imposto seletivo. Em contrapartida, poderiam ser concedidos incentivos aos bioinsumos. Também poderiam ter incentivos mais representativos os produtos oriundos da produção sustentável da biodiversidade de todos os biomas que mantêm a vegetação em pé, como castanhas em geral, frutos, entre outros.
Além disso, pode-se estimular a recuperação de áreas de vegetação nativa nas propriedades que necessitam recompor suas reservas legais e áreas de preservação permanente e, ainda, incentivar de forma mais forte os proprietários de terras que mantenham áreas de vegetação nativa além do que é previsto no Código Florestal por meio de pagamentos por serviços ambientais proporcionados pela natureza, como água, biodiversidade, polinização, controle biológico de pragas e doenças, fundamentais para o setor agropecuário.
Muita coisa pode ser feita em benefício da natureza com a Reforma Tributária. Espera-se que, no Senado, possa haver uma discussão mais aprofundada sobre essa questão e que sejam previstos incentivos e/ou desincentivos com o objetivo de proteger nossos ricos biomas e frear o desmatamento da Amazônia e do Cerrado.
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