Souza Prudente*
A Constituição da República Federativa do Brasil garante a todos o direito humano, fundamental e difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, determinando, ainda, que, para assegurar a efetividade desse direito fundamental ao meio ambiente sadio, compete ao poder público, entre outras atribuições de seu regular poder de polícia ambiental, preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas e definir em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente por meio de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integralidade dos atributos que justifiquem sua proteção, protegendo a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade, conforme o artigo 225, parágrafo 1º, incisos I, III e VII da CF.
Nesse contexto, a política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público no Brasil, de acordo com diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, conforme o artigo 182 da CF, na dimensão protetiva dos ecossistemas familiares, pois "a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado", de acordo com o artigo 226, dando eficácia plena ao princípio constitucional do progresso ecológico-ambiental.
Para cumprir esse objetivo constitucional, a Lei nº 10.257 de 10/7/2001 (Estatuto da Cidade) estabeleceu as diretrizes gerais dessa política urbana, garantindo o direito fundamental a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações. Ordenou a cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social, estabelecendo-se uma gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.
Em artigo publicado no caderno Opinião do Correio Braziliense no último dia 7, os conceituados arquitetos e urbanistas Caio Frederico e Silva, Ricardo Meira, José Leme Galvão Junior e Benny Schvarsberg afirmam que "o recém-aprovado Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) pela Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) permite alterações que impactarão fortemente as diversas escalas da cidade". Também reforçam que "as áreas verdes de Brasília são fundamentais para manter a qualidade do ar, reduzir as ilhas de calor e proporcionar espaços de lazer para a população. Qualquer redução dessas áreas, direta ou indireta, seria um passo atrás nos esforços de sustentabilidade urbana."
Jacqueline Morand Deviller, em preciso estudo sobre La ville durable, sujet de droits et de devoirs (A cidade sustentável, sujeito de direitos e de deveres), observa que "se a cidade deve preservar certos 'santuários', locais de memória e de estática que fazem parte de um patrimônio indestrutível, ela tem vocação para se adaptar às novas circunstâncias, transformando-se e renovando-se. Mas em que ritmo e como? Devemos excluir qualquer precipitação. O projeto urbano precisa de tempo para reflexão, e essa deve ser pluridisciplinar, além de amplamente aberta à concertação e ao debate democrático, o que demanda tempo. É necessário tempo para a realização do projeto, que deve responder às conclusões dos estudos prévios e das arbitragens, aceitar os questionamentos e primar pela qualidade. O 'produto' urbano não é um produto como os outros, e, se não construímos para a eternidade, também não construímos para que seja efêmero".
Não se deve olvidar, assim, que a proteção integral e responsável pelo equilíbrio ecológico do Distrito Federal abrange, de modo especial, a segurança, a saúde e a vida de todos os que nele habitam, sem descurar de que, na organização políticoadministrativa da República Federativa do Brasil, Brasília é a capital federal, emoldurada pelo espelho líquido do Lago Paranoá, que toda a coletividade pretende ver ecologicamente protegida e equilibrada para as presentes e futuras gerações, sem discriminações odiosas e privilégios abusivos, com impactos negativos nas preservações dos ecossistemas e de toda a população distrital, com aplicação diligente e imediata dos princípios constitucionais da precaução, da responsabilidade social, do progresso ecológico, da proibição do retrocesso ecológico-ambiental e da responsabilidade intergeracional, para a felicidade das presentes e futuras gerações.
** Desembargador federal aposentado, bacharel em direito pela USP, mestre e doutor em direito ambiental pela UFPE, pós-doutor em direitos humanos pelas universidades de Salamanca e de Pisa. Advogado militante
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