Adalberto Valadão Júnior*
Roberto Botelho**
Brasília chama a atenção. Criada a partir do nada, foi construída em apenas três anos, fruto do sonho e da capacidade de realização de Juscelino Kubitschek. Há quem a ame e quem a odeie. Mas uma coisa é certa: não passa despercebida.
Certamente, o amor pela cidade prevalece entre as 224,8 mil pessoas que nela residem, segundo o número da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad) mais recente. Formada por brasileiros de todas as regiões, cores e classes sociais, a capital já tem seus filhos próprios: brasilienses não só de coração, mas de nascimento.
Acostumados com o carro como o único meio de transporte viável, os nascidos aqui não estranham uma rua só de farmácias, um setor comercial ou prédios com pilotis "vazados". No dia a dia, em meio à correria, alguns nem se lembram de admirar a nossa linda cidade-parque, com mais de 5,5 milhões de árvores e 650 jardins públicos.
Brasília, assim como qualquer outra cidade, mudou. Alguns sentem saudades da época em que crianças podiam brincar embaixo de prédios sob a supervisão nem sempre atenta dos pais. Outros se ressentem das horas gastas no trânsito, impensável nos tempos de outrora. Já se não pode mais descer o gramado do Congresso em prancha improvisada com papelão.
De tempos em tempos, esse necessário debate vem à tona, normalmente motivado por alguma lei que ousa "mexer" na capital que tanto amamos. Mas, sem um direcionamento estabelecido por arcabouço legal, a capital crescerá de forma desordenada. Talvez, se afaste ainda mais da cidade viva em nossas memórias e da que deve ser preservada para o futuro.
De tão inovadora e bela, a cidade planejada pelo arquiteto e urbanista Lucio Costa mereceu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Mas queremos preservar a sua separação de usos? Ainda estamos no tempo de priorizar os carros, que já são mais de 2 milhões em todo o DF, em detrimento das pessoas? Devemos continuar com uma ocupação que expulsa os brasilienses para cada vez mais longe?
Nesse sentido, a ausência de ação da sociedade pode provocar distorções. Quantos milhares de pessoas moram em salas comerciais nas quadras 900? Quantos comércios funcionam de forma precária? Quantos deixaram de se instalar por não conseguirem alvará de funcionamento? Quantos quilômetros são necessários para se deslocar todos os dias para comprar pão, levar nossos filhos à escola ou ir à academia?
O PPCUB, mais recente motivador do debate sobre Brasília, tirou todos da letargia e, mais que debater, nos obrigou a definir algumas questões. A discussão foi longa e democrática, mas não houve interesse de todos. Muitos dos que hoje criticam o projeto não dedicaram seu tempo, ao longo dos últimos 15 anos, como o fizeram, de forma voluntária, diversas entidades representativas da sociedade civil no Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal (Conplan-DF), em audiências públicas, e, mais recentemente, na Câmara Legislativa.
No Conplan, o texto original foi aprovado por 32 dos 34 membros. Houve uma ausência e uma abstenção. O texto recebeu voto favorável de 15 dos 17 representantes da sociedade civil, como CAU, Crea e UnB. Um trabalho construído a muitas mãos, com extrema responsabilidade. É certo que as alterações feitas a posteriori, com menos tempo de debate, precisam de uma análise cuidadosa para não desvirtuarem o trabalho realizado. Cabe ao GDF, autor da proposta, esse cuidado.
Brasília, que recebeu todos de braços abertos, não pode ser a cidade admirada por muitos e vivenciada por poucos. É preciso resgatar o espírito acolhedor da capital, citado pelo próprio Lucio Costa no Memorial Descritivo, e entender que o desenvolvimento deve ser aliado da preservação de tudo o que é bom em nossa cidade.
Ela pode, e deve, continuar bela, verde, ampla e modernista, evoluindo em práticas urbanísticas que funcionam mundo afora. Pode ter maior integração de usos, reduzindo a necessidade de deslocamentos, além de incentivar a mobilidade ativa e o uso do transporte coletivo. Deve priorizar espaços públicos que gerem mais interação e apropriação da cidade pelas pessoas. Pode ser mais atual e dinâmica, capaz de crescer e, ao mesmo tempo, manter suas raízes. O PPCUB é um primeiro e grande passo nesse sentido.
A cidade que queremos, portanto, é mais acolhedora, pode ser vivenciada por todos os brasileiros, toma partido de tudo que tem de bom, sem medo de avançar, modernizar e democratizar os espaços. É, como disse Lucio Costa no documento Brasília revisitada, "a cidade que, primeiro, viveu dentro da minha cabeça, se soltou, já não me pertence, pertence ao Brasil".
*Presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF)
** Presidente da Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (Ademi-DF)
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