Opinião

Artigo: Afrolatinas - 30 anos em movimentos

Afrolatinas: 30 anos em movimentos é um legado histórico, não apenas um documentário. Queremos que nossas crianças, adolescentes e jovens saibam quem são essas mulheres e seus legados

PRI-2006-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2006-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

Camilla Prado*

Eu, Camilla Prado, soteropaulistana, mulher negra, bissexual e comunicadora, que carrego em mim o dom de traduzir o sentir em palavras — outras vezes, em imagens e gestos —, encontro-me no desafio de levá-los a uma viagem no tempo das histórias das mulheres negras latino-americana e caribenhas. Reforço, com afinco, que este não é um texto apenas por ser julho, o Julho das Pretas. É sobre legado, respeito, inspiração e responsabilidade. 

Podemos começar pelo convite a conduzir a comunicação de um documentário, que também é uma experiência imersiva, sobre as trajetórias, lutas, saberes de mulheres que araram este caminho ao qual transito com mais liberdade e autonomia. Afrolatinas: 30 anos em movimentos é um legado histórico, não apenas um documentário. Quatorze mulheres potentes, corajosas, inteligentes, visionárias e humanas contam sobre sua trajetória, seus desafios e compartilham seus saberes. Sim, gosto de reforçar que são humanas porque sempre nos acharam tão longes desse adjetivo. 

Retomando, em 12 de maio de 1992, acontecia o primeiro encontro de Mulheres Negras Latino-Americana e Caribenhas, em Santo Domingo, na República Dominicana. Mulheres potentes, corajosas, inteligentes, visionárias e humanas se reuniram para discutir a criação de uma rede de mulheres negras afro-latinas e caribenhas para traçar caminhos visando os direitos, os espaços e as mudanças no mundo por um novo pacto civilizatório. Ressalto que o convite para esse encontro era por meio de um envio de correspondência, não era e-mail nem WhatsApp, não era convite para uma reunião on-line nem por telefone. Era um convite, solicitando presença, enviado por correspondência às mulheres das regiões. E elas se encontraram! Juntaram-se, trocaram suas experiências e percepções e entenderam que as mudanças políticas, sociais e de mundo dependiam da união delas. Utopias que vieram ao encontro do horizonte impulsionadas pelo vento. 

E, hoje, 32 anos depois, aqui estamos em bancadas políticas, em cargos de liderança, em movimentos sociais, em empresas, em cadeiras de decisões. Ainda falta muito a ser feito. Ainda temos que ocupar espaços, ecoar vozes, marcar presenças e transformar as estruturas. O bem viver ainda não é realidade para a população negra. Por isso, ouvir essas mulheres não nos permite desanimar, nem nos perder em meio a tantas lutas diárias. Elas estão aqui, ainda lutando, mas nos observando crescer, nos regando para que o legado iniciado por elas siga a crescer, florescer e dar frutos.

Por isso, nasceu o Afrolatinas: 30 anos em movimentos, dirigido por Viviane Ferreira, um documentário que traz depoimentos de mulheres ativistas e forças ancestrais. São elas: Nilza Iraci, Nilma Bentes, Valdecir Nascimento, Creuza Maria Oliveira, Cida Bento, Naiara Leite, Jaqueline Fernandes, Sergia Galván, Tania Ramírez, Epsy Campbell, Aline Torres, Matilde Ribeiro, Heliana Hemetério e Doris Quiñones. 

Estamos falando da relação de tempo espiralar, o passado habita o presente e o futuro, conectando corpo, tempo, performance, ancestralidade, memória e produção de saberes. Ouvimos o ontem, atuamos no hoje e inspiramos o amanhã. Partindo desse pensamento, trazer para o universo da plataforma de realidade virtual a possibilidade de um documentário sobre a história de cada uma delas e a relação com o primeiro Encontro de Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas é plantar as sementes para o amanhã. Queremos que nossas crianças, adolescentes e jovens saibam quem são essas mulheres e seus legados, queremos romper com o apagamento de nossas personagens históricas e precisamos fortalecer a nossa conexão respeitosa e honrosa com nossos ancestrais.

Estamos vivendo as visões de mundo que foram postas por aquelas mulheres visionárias em 1992. Temos a responsabilidade em seguir a jornada embarcada por elas. E você poderá conferir, de pertinho, a história de cada uma delas no Festival Latinidades, que acontece em Brasília, de 25 a 27 de julho. Te convido a vivenciar uma experiência imersiva, que mescla um universo mágico e depoimentos inspiradores. A 17ª edição do Festival Latinidades traz o tema Vem ser fã de mulheres negras, que é um chamado para reconhecermos e celebrarmos a força transformadora das mulheres negras e homenagearmos algumas delas, como Rita Marley, Sister Nancy, Alaíde Costa e Sandra Sá. O tema busca destacar o nosso papel fundamental na sociedade e, por isso, é um convite a todas as pessoas para saberem mais sobre essa contribuição e a reconhecerem, engajando-se em uma jornada de formação de público. Ser fã de mulheres negras em uma sociedade racista e machista é revolucionário.

*Fundadora da Gbilè Comunicação & Cultura Ancestral, publicitária e diretora de Marketing e Comunicação no Instituto Audiovisual Mulheres de Odun 

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postado em 20/07/2024 06:00
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