Por questão de centímetros, os Estados Unidos não foram arremessados em tempos obscuros e em uma possível guerra civil. Uma bala de fuzil teria sido suficiente para insuflar o ódio dos conservadores e disseminar a violência política no país. Donald Trump tem sorte de estar vivo. Um rápido meneio da cabeça teria tirado o próprio crânio da linha de tiro, fazendo com que o projétil lhe atingisse de raspão o ouvido. Um daqueles lances de improvável "sorte" — se for possível utilizar esse termo em alusão a alguém que escapa por um triz de um atentado. Imaginem se o tiro disparado a 150m por Thomas Matthew Crooks, 20 anos, tivesse impactado diretamente a cabeça do magnata republicano diante das câmeras. Como uma imagem tão dantesca — além da morte do ex-presidente — repercutiria na sociedade norte-americana e, especialmente, no eleitorado republicano. Por si só, a tentativa de assassinato de Trump representa mais um capítulo da agonia da democracia de uma nação que se orgulha de suas armas.
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A foto tirada por Evan Vucci, da agência de notícias Associated Press, foi transformada pelos trumpistas como símbolo de uma quase adoração. Artigo messiânico. O líder máximo ferido e, ao mesmo tempo, desafiador. O rosto sujo de sangue, o punho cerrado para cima, a postura altiva e o semblante destemido. "Lutem, lutem, lutem!", gritava Trump, ao ser retirado às pressas do palanque. A fotografia, aliada à mensagem do candidato republicano, tem o poder de alienar as massas e construir uma imagem de onipotência que não existe. O atentado de sábado praticamente sacramenta a eleição de Donald Trump e, ao mesmo tempo, alivia a pressão sobre o presidente democrata Joe Biden, vítima de etarismo. Não fará a menor diferença a desistência de Biden da corrida à Casa Branca, principalmente ante o fato de que muitos eleitores indecisos devem pender o apoio a Donald Trump.
Os 113 dias restantes de campanha serão marcados pela tensão envolvendo a segurança de Trump e de Biden. Em um primeiro momento, os dois candidatos devem optar pelo arrefecimento da retórica, reduzindo os ataques e tentando distensionar o conturbado ambiente político. A reação imediata de Biden foi positiva: no sábado, pouco depois do atentado, telefonou para Trump e prestou solidariedade. Depois, em pronunciamentos sucessivos na televisão, clamou união da sociedade e pediu para baixar a temperatura.
Trump não ficou atrás: também apelou à unidade. A incógnita é até quando o republicano manterá o discurso pacificador. Ele garante que mudou o tom de sua fala durante a Convenção Nacional Republicana, na noite de amanhã, em Milwaukee (Wisconsin). O posicionamento sóbrio de Trump — vítima de um ato atroz, que custou a vida de um inocente — e o do presidente dos Estados Unidos são cruciais em um momento de medo e de incerteza.
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