Opinião

Artigo: A Argentina precisa de um Plano Real? Talvez

Embora os sintomas sejam semelhantes aos do Brasil há 30 anos, as origens dos problemas econômicos da Argentina são diferentes e demandam uma solução distinta

 Argentina's President Javier Milei speaks during the CPAC Brazil conference in Camboriu, Santa Catarina State, Brazil on July 7, 2024. Conservative Political Action Conference (CPAC) is a political conference attended by conservative activists and elected officials. (Photo by EVARISTO SA / AFP)
       -  (crédito:  AFP)
Argentina's President Javier Milei speaks during the CPAC Brazil conference in Camboriu, Santa Catarina State, Brazil on July 7, 2024. Conservative Political Action Conference (CPAC) is a political conference attended by conservative activists and elected officials. (Photo by EVARISTO SA / AFP) - (crédito: AFP)

Guilherme Frizzera*

Junho terminou com o governo de Javier Milei aprovando sua Lei de Bases no Congresso argentino. Esse projeto de lei foi considerado a primeira vitória do atual presidente argentino perante um parlamento no qual ele não tinha maioria, após seis meses de mandato. Em resumo, a Lei de Bases argentina visa implementar uma reforma no Estado, na administração pública e nas políticas fiscais, tudo sob uma ótica de ultraliberalismo de Estado mínimo. A aprovação do projeto se deu graças ao voto de minerva da presidente do Senado, que também é a vice-presidente do país. No plenário, o resultado foi uma divisão de 36 votos para cada lado, além de profundas modificações no projeto e nas intenções iniciais. Assim, é pertinente questionar o real significado dessa primeira vitória de Milei no Congresso.

Originalmente, o projeto de lei se chamava Omnibus e continha impressionantes 600 artigos a serem implementados. Inicialmente, o pacote de mudanças previa privatizações, dolarização da economia argentina, restrições aos serviços e funcionários públicos, paralisação de obras públicas e, principalmente, concedia ao presidente amplos poderes sem necessidade de autorização do Congresso.

Esse projeto foi rapidamente abandonado, sendo substituído por uma nova versão, a Lei de Bases, que já era bem mais moderada, mas, ainda assim, foi extensivamente modificada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. No final, a Lei de Bases ficou muito distante dos objetivos e intenções originais, limitando as empresas que podem ser privatizadas — todas irrelevantes e sucateadas —, o alcance de intervenção do Executivo em órgãos públicos e, na concessão de amplos poderes ao presidente, restringindo a decisões nas esferas administrativas, financeiras, econômicas e energéticas, com validade de um ano.

Em suma, a primeira vitória de Milei é um projeto quase totalmente modificado, que confirmou que ele não tem maioria e precisará governar dentro da realidade política e democrática da Argentina. A grave situação econômica dos argentinos demanda uma solução séria, bem planejada, executada e, principalmente, democrática. 

Não é preciso ir longe para ver que isso é possível; basta olhar para o Brasil, onde o Plano Real completa 30 anos neste mês, com sucesso na estabilização financeira e econômica indiscutível. O Plano Real transformou o Estado brasileiro, superando um processo hiperinflacionário, por meio de ações e medidas que existiam apenas nas páginas de livros teóricos e na criatividade da equipe econômica, além de contar com uma liderança intelectual e política na figura do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso.

No entanto, o maior trunfo do Plano Real foi o amplo processo de planejamento e execução democrática, conferindo coprotagonismo ao Congresso e promovendo uma divulgação na opinião pública, buscando não apenas o apoio da população às medidas, mas também a compreensão do que se buscava alcançar. Exemplifica a necessidade de grandes ideias de políticas públicas serem adotadas de forma democrática. Não basta apenas ter um grande plano, é crucial que ele seja compreendido e abraçado pela sociedade.

A Argentina precisa de um Plano Real? Talvez. Embora os sintomas sejam semelhantes, as origens dos problemas econômicos da Argentina são diferentes e demandam uma solução distinta. Qualquer que seja a solução proposta por Milei, ela precisa se abster de conferir poderes quase monárquicos ao presidente, conter centenas de artigos distintos, conseguir amplo apoio e participação do Congresso no planejamento, rechaçar a utilização da violência policial para calar protestos, e recorrer às redes sociais e mídias para detalhar qual a direção que ele quer conferir ao país.

Essas são, sem dúvidas, as maiores lições do Plano Real que o governo argentino deveria espelhar. Por outro lado, a tônica dos governos autodenominados ultraliberais ou de direita atualmente apenas fazem prometer o Estado mínimo, mas, na verdade, acabam por entregar o mínimo de democracia.

*Doutor em relações internacionais e coordenador do curso de relações internacionais do Centro Universitário Internacional Uninter

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postado em 19/07/2024 06:00
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