Artigo

O papel da biomassa na desfossilização da economia

O desenvolvimento de tecnologias avançadas de conversão da biomassa é fundamental para maximizar a eficiência da produção de biocombustíveis, biogás, bioeletricidade e outros bioprodutos de forma mais limpa e eficiente

 Instituto SENAI de Inovação em Biomassa - Três Lagoas / MS
 -  (crédito: Gabriel Pinheiro / SESI)
Instituto SENAI de Inovação em Biomassa - Três Lagoas / MS - (crédito: Gabriel Pinheiro / SESI)

MAURÍCIO ANTÔNIO LOPES — Pesquisador da Embrapa Agroenergia

A biomassa, material orgânico que armazena a energia do Sol, é vital nos processos naturais e está profundamente entrelaçada com a história e sustentabilidade do planeta. Sua origem está nas plantas, que capturam a energia solar e a transformam em energia química na forma de glicose, essencial para a vida, que é passada adiante para pessoas, animais e micro-organismos que consomem a matéria vegetal.

As plantas realizam a fotossíntese, usando a luz solar para capturar dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, incorporando o carbono na biomassa e liberando oxigênio. Assim, a produção de biomassa gera dois eventos essenciais para a vida: a captura de carbono, base de toda matéria orgânica, e a liberação de oxigênio, indispensável para a respiração e a manutenção dos ecossistemas terrestres.

A biomassa foi crucial para o desenvolvimento da humanidade, fornecendo calor, alimento e materiais para a sobrevivência e o progresso. Nos primórdios da humanidade, a lenha era a principal fonte de energia, vital para cozinhar e aquecer, enquanto as fibras vegetais eram utilizadas para construir abrigos e criar ferramentas. Com o surgimento da agricultura, a biomassa se tornou ainda mais central na vida humana, na forma de alimentos produzidos em grande quantidade e diversidade.

O domínio da produção de biomassa por meio do cultivo de plantas permitiu o desenvolvimento de sociedades organizadas, que puderam se estabelecer em um lugar fixo, cultivar alimentos em abundância e criar reservas para períodos de escassez. Isso garantiu a segurança alimentar e possibilitou a especialização do trabalho, o surgimento das cidades e o desenvolvimento de tecnologias e culturas mais complexas.

A biomassa acumulada por milhões de anos na crosta terrestre nos deu combustíveis fósseis como petróleo, carvão e gás natural, que mudaram os rumos da humanidade. A exploração do petróleo impulsionou a Revolução Industrial e deu origem ao modelo econômico atual, baseado em uma intensa utilização de energia fóssil, avanços tecnológicos e crescimento econômico sem precedentes.

O problema é que o uso massivo dessas fontes não renováveis de energia trouxe de volta para a atmosfera milhões de toneladas de carbono que estavam fixadas nas profundezas da crosta terrestre há milhões de anos, sendo a principal causa da crise climática. No entanto, um problema que tem sua origem na biomassa produzida no passado remoto pode ter sua solução facilitada pela biomassa produzida no presente, substituindo alternativas fósseis e evitando liberação de mais carbono na atmosfera.

A substituição de recursos fósseis originados de biomassa, produzida há milhões de anos, por alternativas baseadas na biomassa produzida no presente, resulta em emissões líquidas de carbono muito baixas, neutras ou até mesmo negativas. Acontece que, para avançar no processo de desfossilização da economia, o mundo precisará de volumes massivos de biomassa produzidos de forma segura e sustentável.

Para enfrentar esse desafio, é essencial investir em práticas agrícolas e florestais sustentáveis, que incluam o manejo responsável dos solos e dos recursos hídricos, a rotação de culturas e a integração de árvores nos sistemas produtivos. Essas práticas não apenas aumentam a produção de biomassa, mas também melhoram a saúde do solo, conservam recursos escassos, como água e nutrientes, e promovem a biodiversidade.

Outra estratégia importante é o aproveitamento de resíduos agrícolas e florestais, bem como de resíduos urbanos e industriais, para a produção de energia e bioprodutos. Isso evita a acumulação de resíduos poluentes e transforma subprodutos em recursos valiosos, fechando o ciclo de materiais em uma economia circular. Além disso, a biotecnologia pode ajudar a desenvolver cultivos energéticos de alta eficiência e microrganismos capazes de converter biomassa em bioprodutos de maneira mais eficiente.

O desenvolvimento de tecnologias avançadas de conversão da biomassa é fundamental para maximizar a eficiência da produção de biocombustíveis, biogás, bioeletricidade e outros bioprodutos de forma mais limpa e eficiente. Por isso, é crucial estabelecer políticas públicas e incentivos que promovam a produção e o uso sustentável da biomassa, incluindo estímulos para agricultores e produtores de biomassa sustentável, investimentos em pesquisa e desenvolvimento e a criação de mercados regulados para biocombustíveis e bioprodutos.

Além disso, será necessário desenvolver novas fontes para diversificar a produção de biomassa, evitando a concentração em poucas alternativas, em competição com outros usos, como a produção de alimentos. A domesticação de novas espécies e a adaptação de espécies a novos ambientes podem ser caminhos promissores. Exemplos incluem a domesticação de novas espécies e a tropicalização de cultivos, iniciativas já abraçadas pela Embrapa para aumentar a disponibilidade de biomassa de forma sustentável e diversificada.

Ao combinar essas abordagens, podemos garantir que a biomassa desempenhe um papel central na transição para uma economia em equilíbrio com a natureza, ajudando o mundo a enfrentar o desafio da desfossilização de maneira sustentável e eficaz.

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postado em 14/07/2024 06:00
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