Saúde

Artigo: Uma conta cara para a saúde: a comida consumida pelos jovens

Brasil precisa do fortalecimento e ampliação tanto das políticas de controle e redução da obesidade infantojuvenil, quanto das políticas regulatórias e fiscais que promovam ambientes alimentares mais saudáveis

 Criança comendo junk food. -  (crédito:  AFP)
Criança comendo junk food. - (crédito: AFP)

Renata Couto*, Elisabeta Recine

O Instituto Desiderata, em parceria com a Fiocruz e o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP), protagoniza a autoria de um estudo que demonstra que o tratamento de crianças e adolescentes, entre os anos de 2013 a 2022, custou R$ 213,1 milhões aos cofres públicos. Se considerarmos custos adicionais, como os ambulatoriais e medicamentosos, os gastos totais foram estimados em R$ 225,7 milhões. Nesse mesmo período, os custos não hospitalares com saúde pagos pelas famílias foram estimados em R$ 90,6 milhões, dos quais R$ 12,6 milhões representaram custos adicionais atribuíveis à obesidade infantil. Entre esses custos, os gastos com saúde pagos pelas famílias representam 47,6% ou cerca de R$ 6 milhões. O estudo de modelagem para aplicação no cenário brasileiro utilizou como fonte sistemas públicos de informação em saúde do SUS, como o Sistema de Informações Hospitalares e o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional.  

Recentemente publicado, o Atlas da Obesidade da World Obesity Federation aponta que, até o ano de 2035, mais de 750 milhões de crianças entre 5 e 19 anos deverão viver com excesso de peso, representando duas a cada cinco crianças globalmente — e a maioria delas habitantes de países de renda média. No Brasil, o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional aponta que cerca de 31% das crianças e adolescentes atendidos na atenção primária do SUS em 2022 estavam com excesso de peso. O Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil já havia apontado, em 2019, que 80% das crianças menores de 2 anos tinham consumido produtos alimentícios ultraprocessados, o que representa uma exposição prematura a alimentos não saudáveis. 

Esses dados são alarmantes e apontam a necessidade de fortalecimento e ampliação tanto das políticas de controle e redução da obesidade infantojuvenil no Brasil, quanto das políticas regulatórias e fiscais que promovam ambientes alimentares mais saudáveis, a exemplo da tributação e criação de imposto seletivo para produtos alimentícios ultraprocessados. Fica evidente que o momento é agora, e não podemos nos calar diante de um debate que exige toda premência: a Reforma Tributária, o imposto seletivo e a cesta de produtos que fazem, indiscutivelmente, mal à saúde e devem ser sobretaxados.  

Os produtos alimentícios ultraprocessados são aqueles produzidos pelas indústrias de alimentos com aditivos cosméticos e excesso de açúcares e gorduras, como salgadinhos, refrigerantes, embutidos, doces industrializados, que não trazem benefício algum à saúde nutricional e são fatores de risco para o sobrepeso e a obesidade, especialmente em crianças e adolescentes.Já está comprovado cientificamente que obesidade infantil é um importante preditor de obesidade na idade adulta, aumentando os riscos de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer.  

Apesar de evidências científicas sólidas e de frequentes pressões da sociedade civil organizada — que lançou, inclusive, o manifesto por uma Reforma Tributária saudável —,  o governo federal excluiu os produtos alimentícios ultraprocessados do imposto seletivo, embora considere que seu consumo seja danoso. Apenas bebidas com adição de açúcar e conservantes sofrerão com a incidência do imposto. 

Entendemos, portanto, que esse caminho passa não só pela sobretaxa dos ultraprocessados, mas também pelo uso do imposto seletivo para mitigar os danos causados por esses produtos em nossa saúde e no meio ambiente. E como propulsoras desse movimento ainda reforçamos a recomendação de que os recursos arrecadados com o imposto seletivo de produtos ultraprocessados sejam destinados ao SUS, na prevenção e no tratamento da obesidade. 

Temos muito trabalho pela frente, mas seguimos esperançosas de que o futuro pode ser muito promissor e com muita qualidade de vida para as crianças e adolescentes brasileiros.

*Diretora executiva do Desiderata, Oscip focada na melhoria da saúde infantojuvenil

**Professora da Faculdade de Ciência da Saúde da UnB e presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

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postado em 13/07/2024 06:00
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