Imposto Seletivo

Pela inclusão das armas de fogo no Imposto Seletivo

O maior ônus tributário sobre armas e munições precisa ser usado como instrumento limitador do acesso da população a tais bens, com aumento de seus preços e consequente redução da circulação

 11/06/2024. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Furto em loja de armas Delta Guns na Ceilândia. -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
11/06/2024. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Furto em loja de armas Delta Guns na Ceilândia. - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Nathalie Drumond — gerente de Advocacy do Instituto Sou da Paz, Tathiane Piscitelli

professora da FGV Direito SP


A Reforma Tributária, cuja regulamentação está em tramitação no Congresso Nacional, pode produzir uma grave distorção: armas de fogo, principal vetor da violência no país, passarão a sofrer a mesma tributação de flores, fraldas, brinquedos e perfumes, caso não sejam incluídas no chamado Imposto Seletivo (IS).

O IS é uma das novidades da Reforma Tributária e, segundo a Emenda Constitucional 132/2023, deve incidir sobre bens e serviços que causem males à saúde e ao meio ambiente. Trata-se de tributo que visa coibir o consumo de determinados bens e serviços em razão das externalidades negativas que geram, da perspectiva pública. Para deputados federais, no entanto, não é esse o caso nem de armas de fogo nem de munições: o texto do Projeto de Lei Complementar 68/2024, que disciplina o IS, não prevê sua incidência sobre tais bens.

Irresponsavelmente, ignoram dados, estatísticas e evidências sobre os danos e ameaças que armas de fogo representam: são bens de uso restrito, cujo potencial de dano é enorme, dada a ameaça que representam ao direito à vida, à integridade física e à saúde pública. Não por outra razão, o Brasil, atualmente, tributa armas de fogo de modo mais gravoso que outros bens, assim como se vê nos Estados Unidos da América e no Chile. 

Contudo, considerando a unificação da tributação do consumo, caso não haja a inclusão de tais bens no IS, não haverá nenhum outro instrumento para tributá-los mais pesadamente. Desse modo, a tributação sobre armas de fogo e munições seguirá na alíquota padrão do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), cujos índices de referência são, respectivamente, 8,8% e 17,7%. Dito de outra forma, se prosseguir assim, a tributação das armas de fogo será reduzida dos atuais 89,25% para apenas 26,5%.

Mais de 60 organizações da sociedade civil tentam chamar a atenção do país para o tamanho desse absurdo. A partir da iniciativa do grupo Tributação e Gênero da FGV Direito SP, um manifesto assinado por essas organizações foi divulgado nos últimos dias. Nele, menciona-se, por exemplo, uma pesquisa feita pelo Instituto Sou da Paz, segundo a qual, somente em 2022, o SUS gastou R$ 41 milhões com vítimas de armas de fogo, em 17,1 mil internações. 

O mesmo estudo mostrou que a mortalidade para feridos por armas é 3,4 vezes maior do que por outros instrumentos. Se não é isso um flagrante prejuízo à saúde, parece difícil saber o que seria. Pode ser uma guerra, talvez — uma guerra do país consigo mesmo. Afinal, nos últimos 15 anos, houve mais pessoas amputadas por armas e explosivos no Brasil do que o Exército dos Estados Unidos da América em 16 anos de guerra.

Os riscos e danos provocados pelas armas de fogo explicam todo o esforço para conter e desfazer a facilitação desmedida promovida pelo governo de Jair Bolsonaro entre 2019 e 2022. Foi um período de crescimento vertiginoso e irresponsável no número de armas de fogo nas mãos de civis — de 695 mil em 2019 para 1,9 milhão em 2022. O aumento da liberação de armas para os chamados CACs (colecionador, atirador desportivo e caçador) permitiu a aquisição de armas de fogo e munições por civis que antes eram restritas às forças de segurança. Também provocou a diminuição da fiscalização de eventuais desvios desses armamentos. Foi um tiro de morte principalmente nas mulheres, as maiores vítimas. Entre 2012 e 2022, cerca de 2.200 mulheres foram assassinadas a cada ano no Brasil — metade delas por armas de fogo.

Resta dizer ao Congresso Nacional, especialmente aos deputados federais que iniciaram a regulamentação da Reforma Tributária, que eles têm o dever de incluir as armas de fogo e munições no Imposto Seletivo. O recado é claro: a sociedade não quer custear uma tributação baixa sobre armas. Esse é um chamado à responsabilidade e ao interesse público. 

O maior ônus tributário sobre armas e munições precisa ser usado como instrumento limitador do acesso da população a tais bens, com aumento de seus preços e consequente redução da circulação desses produtos. Diminuir 70% do ônus tributário que atualmente recai sobre armas de fogo é um contrassenso para um país em que a maioria da população rejeita a ideia de que estaríamos mais seguros se as pessoas andassem armadas nas ruas. E, mais do que isso, sabe que armas de fogo ofendem a vida e a saúde. Isso tudo basta para que tenham níveis de tributação altíssimos — como se vê hoje. Qualquer mudança nesse cenário representará retrocesso evidente.

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postado em 07/07/2024 07:00 / atualizado em 08/07/2024 15:45
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