Opinião

Game of thrones da vida real

Quando olhamos para esse mundão de meu Deus, a lógica maniqueísta para separar o mundo por um muro, entre conservadores x progressistas, deixa de funcionar

opiniao 1505 -  (crédito: kleber sales)
opiniao 1505 - (crédito: kleber sales)

» SIMONE VARELLA — Comunicadora social pós-graduada em marketing e observadora do mundo

O novo tabuleiro da geopolítica não é tão simples de entender para gerações nascidas na Guerra Fria. Fomos criados numa lógica maniqueísta para separar o mundo por um muro, e seguimos essa "estética" como uma espécie de órfãos do muro. No microcosmo de cada país, começamos a separar as pessoas do nosso mundinho entre conservadores x progressistas.

Mas, meus amigos, quando olhamos para esse mundão de meu Deus, essa ótica pueril de almanaque construída para caber na nossa cabecinha deixa de funcionar, e a gente se pega com aquela cara de meme da Nazaré fazendo contas. Ao cair o muro, caiu também essa nossa crença que gera tantas discussões acaloradas em grupos de WhatsApp.

A Rússia teve um presidente cambaleante, tanto na economia como na bebida. O país se perdeu e foi jogado numa espiral financeira e política delicada. Perdeu território e petróleo com a emancipação de Estados que foram surrupiados para compor sua colossal geografia criada na força do canhão. Pagou o preço. Perdeu fronteiras estratégicas que, na verdade, eram estados sequestrados. Esses são momentos em que o povo, já desesperado, procura um salvador da pátria nacionalista. Quase um predestinado, um Putin e sua promessa de fazer América great again!. Ops! Eu quis dizer Rússia.

Mas isso não se dá da noite para o dia. A falecida União Soviética assistiu atenta à criação do G7 em 1975 (França, Reino Unido, EUA, Alemanha, Itália, Canadá e Japão). Nesses quase 50 anos, muita coisa mudou no planeta. A China passou por um milagre econômico, o Brasil cresceu em importância, a Índia se tornou a terceira maior economia do mundo e o país mais populoso. A Rússia se reestrutura num nacionalismo que, querendo ou não, trouxe mais conforto à população. Putin pode ser chamado de czar — e, sem dúvida, é um autocrata—, mas não cometeu o mesmo erro dos Romanov, tirou o povo da pobreza para conseguir se perpetuar no poder.

Tudo isso aconteceu, e o G7 continuou o mesmo, fechado e cercado pelo muro da arrogância, na certeza de uma soberania eterna, pronto para enfrentar um inimigo comum: a Rússia. Engraçado como a Rússia sempre foi o terror do dito Ocidente. A verdade é que ninguém sabe como detê-la. Napoleão e Alemanha (por duas vezes) sucumbiram à astúcia militar russa. E os Estados Unidos souberam cozinhar uma guerra fria para não enfrentá-los em batalha de fato.

O G7 não se reinventou para enfrentar essa guerra política/econômica. Congelou no mesmo episódio da série, enquanto uma nova temporada acontecia pelo globo durante esses 50 anos. Assim, surge o clube dos excluídos, também conhecidos como Brics. Países que cansaram de não ser ouvidos e respeitados de igual para igual. Eles não estão unidos por religião, não comungam do mesmo modo de vida nem de valores, sejam progressistas ou conservadores, mas todos querem seu lugar ao sol e têm bastante poder consolidado para isso.

É verdade que os Brics terão os próprios desafios internos, contam com sauditas e iranianos debaixo do mesmo teto. São extremamente diversos, mas unidos na busca de uma pauta econômica eficiente que os consolide como poder mundial. O maior inimigo dos Brics poderá ser a falta de consenso entre eles mesmos, mas, se conseguirem permanecer unidos, essas economias juntas não enfrentarão paralelo.

A criação de um banco único é outro sinal de amadurecimento. O que teremos pela frente? Moeda única para transações entre os membros? O que isso causaria ao dólar? Como ficarão os Brics se Trump vencer as eleições americanas? Segundo a revista Times, Putin e Trump "são mais que amigos, são friends" (sim, eu adoro um meme tosco, perdão). E a guerra na Ucrânia? Estados Unidos retirariam apoio?

Sabe o que isso tem em comum com a bendita pauta de costumes? Ou com a defesa da democracia? Nada, meu amigo! Assim como vacina não torna ninguém jacaré. Isso é discurso interno. Como você pode ver, o mundo não é plano e vai muito além das 40 gramas de erva que o menino carrega no bolso. O jogo é outro. Vamos ver o próximo episódio da série: quem fica com a América? Prepara a pipoca que novembro tá chegando! 

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postado em 05/07/2024 06:00
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