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Artigo

Liderança estratégica em um mundo multidimensional

Conjugar tradição e modernidade é um complexo desafio. Somente lideranças com mentes multidimensionais serão capazes de influenciar doravante suas organizações e a sociedade em geral

TRA-2104-LIDERES -  (crédito: Maurenilson Freire)
TRA-2104-LIDERES - (crédito: Maurenilson Freire)

Otávio Santana do Rêgo Barros — General da Reserva. Foi chefe do Centro de Comunicação Social do Exército

A diversidade e a evolução das formas de comunicação, promovidas principalmente pela ascensão de novas tecnologias digitais, levaram a opinião das pessoas a circular na sociedade de maneira mais amplificada, acelerada e, às vezes, distorcida. Nesse mundo de constantes transformações, os princípios que regem a liderança estratégica — responsável por manejar a tal comunicação — passaram a ser considerados e aplicados por um número cada vez maior de gestores e organizações.

A condução das organizações enfrenta, em consequência da disseminação rápida das informações, o embate entre a visão tradicional mecanicista (uma espécie de manda quem pode, obedece quem tem juízo) e as novas formas matriciais de gerir os "negócios" (um por todos, todos por um).

Até nossos dias, em um processo que nasceu na Revolução Industrial, as organizações foram sendo estruturadas com ênfase na hierarquia, na racionalidade e na eficiência operacional, comportamento que persiste quase como cláusula pétrea.

Ainda assim, ocorreram críticas a esse padrão de gestão. O sociólogo Max Weber, em seus estudos sobre a burocracia, durante sua viagem aos Estados Unidos, na década de 1900, deixou uma ponta de dúvida quanto à eficácia do processo top down ao demonstrar preocupação com "os efeitos psicológicos e sociais da proliferação da burocracia — a mecanização da vida humana, a erosão do espírito humano e o solapamento da democracia".

Pesquisadores mais modernos do tema, como Capra e Luisi, reforçaram que a abordagem mecanicista, embora, na época, tenha carreado benefícios em termos de padronização e controle, negligenciou a complexidade e a dinâmica humana intrínseca a todas as associações. 

Na esfera militar, Samuel Huntington, que analisou e aprofundou as relações entre o soldado e o Estado, reconheceu, na década de 1950, os desafios enfrentados pelas organizações militares ao adotar rígidas estruturas burocráticas. E ele enfatizou — a meu juízo, quase como uma crítica — que "a função militar é desempenhada por uma profissão pública burocratizada, especializada na administração da violência e responsável pela segurança militar do Estado".

Já Morris Janowitz, na década de 1960, outro analista das relações entre civis e militares, alertou sobre a importância de valores como dever e lealdade dentro das forças armadas, destacando que eles seriam fundamentais para o profissionalismo militar, deveriam ser reconhecidos e colocados acima das estruturas burocráticas formais. Declarou o professor: "Particularmente numa sociedade de livre iniciativa e motivada pelo lucro, a instituição militar exige um sentido de dever e de honra para atingir os seus objetivos. O heroísmo é uma parte essencial dos cálculos até mesmo dos pensadores militares mais racionais e autocríticos".

Atualmente, a luta entre a burocracia, os valores e a modernidade a impactar a gestão de organizações (inclusive das atividades castrenses) passou para um campo de batalha menos engessado, quando alguns pesquisadores sugerem que as estruturas sejam vistas como sistemas vivos e dinâmicos, caracterizados por redes complexas de interações culturais, ecológicas, econômicas, humanas, políticas, militares, tecnológicas etc.

Esses pesquisadores propõem que uma gestão mais adaptativa e flexível, integrando aspectos materiais e processos não materiais, será crucial para o sucesso tático e estratégico nos novos tempos. Nas estruturas militares tradicionais, essa nova abordagem desafiaria o senso histórico de poder e de autoridade consolidados e respeitados por séculos.

Em um exercício de imaginação, caso a instituição fardada optasse por incorporar essa nova abordagem, ela deveria buscar maior flexibilidade nas dinâmicas internas das estruturas, incluindo paulatinamente uma cultura de modernização organizacional, uma liderança compartida e uma interação interpessoal.

Não restam dúvidas de que conjugar tradição e modernidade, mesmo para gerentes oxigenados por novas ideias, sejam civis ou militares, é um complexo desafio. Nesse novo ambiente, somente lideranças com mentes multidimensionais serão capazes de influenciar doravante suas organizações e a sociedade em geral.

E, no caso das lideranças militares, elas deverão oferecer direções inovadoras para o fortalecimento do poder militar de seu país, despertar interesses genuínos na classe política e na sociedade como um todo sobre o tema Defesa, preparando-se eficazmente para conduzir os jovens e digitais recursos humanos, fardados ou não, nos embates do século 21.

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postado em 02/07/2024 06:00
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