Nas próximas semanas, poderemos tornar nossa agricultura mais ecológica, nossos alimentos mais saudáveis e nosso planeta mais justo, solidário e sustentável. O Congresso Nacional está regulamentando a Reforma Tributária e decidirá quais produtos devem pagar mais ou menos impostos, e isso inclui os agrotóxicos. Como são produtos perigosos e fazem mal à saúde e ao meio ambiente, deveriam pagar mais impostos, não menos, exatamente como é feito para os cigarros e as bebidas. Contudo, impera no Brasil um total contrassenso: os agrotóxicos recebem isenções iguais a insumos como enxadas e tratores, mesmo tendo o potencial de causar doenças e mortes por intoxicações agudas ou doenças crônicas, como o câncer. Quem paga essa conta são a sociedade e as gerações atuais e futuras pelos efeitos ao sistema de saúde, à Previdência Social, ao meio ambiente, além do sofrimento às famílias dos trabalhadores e pessoas afetadas.
Cresceu no Brasil, como um câncer, um modelo de agronegócio químico-dependente para produzir commodities em monocultivos de soja, milho, cana e algodão. Para os latifúndios se ampliarem, precisam desmatar e matar a biodiversidade natural dos agroecossistemas com muito veneno e pouco imposto, abalando também nossas esperanças por outro futuro. Só as commodities mencionadas consomem 84% dos agrotóxicos do país, mas deixam de pagar muitos impostos. No modelo atual de isenção, deixam de ser arrecadados três impostos federais (Pis-Pasep/Cofins, IPI e Importação) e o ICMS, de âmbito estadual. As unidades federativas onde há perda de arrecadação reduzem sua capacidade de investimentos para pagar suas dívidas e oferecer serviços públicos com mais qualidade.
Estudo com pesquisadores da Fiocruz e IBGE mostrou que, em 2017, R$ 10 bilhões deixaram de ser arrecadados com as isenções fiscais aos agrotóxicos. Esse valor aumenta desde então — só a cadeia da soja recebeu R$ 57 bilhões em incentivos e desonerações em 2022. É muito para uma sociedade que precisa investir em seguridade social, saúde, educação, ciência e tecnologia, proteção ambiental e prevenção de catástrofes climáticas, principalmente para os mais pobres e vulneráveis, como acabamos de ver no Rio Grande do Sul. Esse estado deixou de arrecadar, em 2017, com isenção aos agrotóxicos, quase 60% do total da dívida que pagava anualmente. Mas esses valores são pequenos para o poderoso setor agropecuário, que, em 2023, teve um PIB de R$ 2,6 trilhões.
Agora, querem manter o privilégio das isenções com a Reforma Tributária a ser votada. Em vez de pagarem mais impostos com o imposto seletivo, querem continuar a pagar menos, como medicamentos. Ora, deveriam isentar os alimentos da cesta básica, e não insumos tóxicos passíveis de redução ou mesmo eliminação. O agronegócio diz ser impossível produzir sem agrotóxicos em um país tropical, e a maior taxação tornaria os alimentos mais caros. Isso não é verdade, principalmente para as commodities com preços regulados pelo mercado internacional.
A transição não seria difícil: dados do Censo Agropecuário mostram que 64% dos estabelecimentos com pequenos e médios agricultores indicam não usar agrotóxicos. Outro argumento falacioso é que a desoneração dificultaria o combate à fome. Há várias razões para rebater a hipótese de elasticidade nula da demanda relacionada aos agrotóxicos, pois, nos médio e longo prazos, a tendência é de redução no uso, já que cobrar mais impostos favorece a escolha por tecnologias mais saudáveis. Com o tempo, os produtos orgânicos e agroecológicos tornam-se mais competitivos, como mostram os países que apoiam a transição e mais produzem orgânicos no mundo, seja na Oceania, Europa e mesmo América Latina e Ásia.
Ainda há tempo para que a razão da ciência e dos especialistas, assim como o coração de sábios e artistas intuitivos, baixe no Congresso e influencie nossos deputados e deputadas. Precisamos nos realinhar com o tempo orgânico, transformar nossos pratos, corpos e espíritos em um tributo à vida, não à ganância que destrói a humanidade. Nosso planeta agradece.
*Marcelo Firpo Porto - Pesquisador da Fiocruz e integrante do Grupo Temático Saúde e Ambiente da Abrasco; Bela Gil - Ativista e culinarista, membro do Instituto Brasil Orgânico; Wagner Soares - Pesquisador e professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (INCE/IBGE).