OPINIÃO

Artigo: Mágoas e luto

As dores não podem nem devem atravancar o nosso caminho, temos de seguir em frente, olhando para atrás como trajetória de aprendizado e não pedras intransponíveis. Os estágios ensinados pela aceitação da morte são uma boa lição.

Nas conversas por aí afora, o que mais ouço são queixas das pessoas sobre outras, mágoas, ressentimentos e muitas dores não curadas. Incrível como o convívio tem se tornado tão complexo. Não sou exemplo de nada, até porque tenho bastante dificuldade em perdoar. Mas, definitivamente, carregar angústias, como uma âncora, só pesa.

Assim, decidi tratar a mágoa como um luto, passando por todas as fases que os terapeutas recomendam. Primeiro, nego que aquela ação da pessoa tenha me ferido ou incomodado, tento fingir que não existe. Depois, vem a raiva pela injustiça sofrida e por minha falta de reação.

Em seguida, tento barganhar comigo e com Ele, perdoo, se nunca mais ninguém me magoar ou incomodar, algo bem absurdo e impraticável neste mundão de meu Deus. Depois, vem o sentimento de menos valia. Por fim, a aceitação: a vida é como ela se apresenta, cabe a você fazer as adaptações para viver melhor.

A partir do momento em que passei a tratar minhas mágoas dessa forma, confesso, estou bem melhor. As situações e as próprias pessoas passaram a ter o valor que elas realmente merecem — nem mais, nem menos. O que tem de ser. Não tenho a pretensão de ensinar nada a ninguém.

Um grande amigo, desses do tipo irmão, está sofrendo. Ele tem uma mágoa imensa da pessoa, que eu diria, mais importante da vida dele. Não consegue relevar. A pessoa foi ausente no momento mais importante da vida dele. Não estendeu a mão, não perguntou sequer se precisava de um copo de água.

"É a pessoa mais egoísta, narcisista e indiferente que existe", insiste meu amigo, referindo-se à personalidade de quem o magoou.

Tamanho descaso criou um verdadeiro abismo no coração dele. Nos falamos todos os dias, e a cada conversa, ele repete: "Vou levar essa mágoa para o caixão. Não quero falar com ela, lidar com ela nem vê-la. Fica como está". Será que tem algo mais doloroso do que isso? Sinto um imenso incômodo só de ouvi-lo falar.

Da minha parte, fica só a experiência. Aos 54 anos, se eu seguir o histórico familiar, vou ultrapassar a fronteira dos 90, portanto tenho uma longa estrada pela frente. Não dá para eu preenchê-la com mágoas nem com pessoas ressentidas. Virei a chave.

Como diria meu amado Mario Quintana: "O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente". A gente aprende com ele, mas não se prende nele, é preciso avançar e viver bem. Para a doce Cora Coralina, a sabedoria está justamente aí, como ela escreveu: "Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça". 

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