ARTIGO

PPCUB: as mudanças climáticas e o futuro de Brasília

O Projeto de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília não pode ignorar medidas preventivas emergentes de planejamento urbano e de proteção ambiental

» Marta Adriana Bustos Romero, Doutora professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-UnB), professora emérita da UnB

O centro urbano brasiliense possui uma dimensão metropolitana com padrão de crescimento que, com variada gama de configurações urbanas, já ultrapassa as fronteiras do DF. A conurbação costurada pela expansão urbana não ocupa toda a mancha urbanizada, e restaram tecidos urbanos de baixa densidade e com grandes vazios, o que implica uma dependência crescente do automóvel. O superpovoamento acelerado reorientou o planejamento urbano no Distrito Federal onde falta equilíbrio entre densidade demográfica e capacidade de suporte ecológico do território. Nesse contexto, o Projeto de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília — PPCUB não pode ignorar medidas preventivas emergentes de planejamento urbano e de proteção ambiental.

A desolada paisagem tropical das pobres periferias urbanas não oferece nenhum elemento de mitigação da incidência da energia solar (mesmo com o desconforto térmico agravado em decorrência das mudanças climáticas). O lugar de Brasília foi escolhido para sede do governo já no final do século 19, principalmente por suas condições climáticas, pois as características bioclimáticas do Plano Piloto desenvolvido pelo urbanista Lucio Costa propiciavam uma vastidão de lições para o planejamento urbano resiliente ao calor extremo. Porém, o crescimento desordenado tem alterado sensivelmente o clima do DF, verificamos nos mais de 60 anos de existência de Brasília uma mudança significativa do clima. As variáveis ambientais que afetam as condições de conforto sofrem influência da configuração urbana, da vegetação, da área das superfícies verdes em geral, da presença de água e da qualidade superficial dos materiais. Os corpos de água e a vegetação urbana mostram o potencial de resfriamento nas áreas residenciais do Plano Piloto, onde encontramos diferenças de até 10ºC entre áreas próximas do lago Paranoá.

O processo de aumento da massa construída na área tombada proposto pelo PPCUB é preocupante; verificamos acelerada e descontrolada produção de elementos construtivos deformadores de uma paisagem urbana concebida como cidade-parque que deveria estar sendo preservada. Assim, o aumento de gabarito nas áreas centrais do Plano Piloto acarretará deformações nas estruturas físicas onde há uma intencional relação a ser considerada entre as áreas verdes e a massa edificada. O tecido urbano menos denso possibilita a renovação do ar e a ventilação cruzada, o que é ideal para regiões quentes. Ao mesmo tempo a ambiência externa contrasta com a interna, onde a proliferação de equipamentos de ar-condicionado e luminosidade excessiva antecipa a inadequação ambiental e gera o consumo excessivo de recursos.

A massa de vegetação implantada, dentro e no entorno de Brasília, tem um significado e uma relevância para a preservação como espaço non aedificandi a ser garantido, principalmente face às pressões para expansão da própria mancha da área tombada, tanto internamente (margens do Lago, Quadras 500 do Sudoeste, as múltiplas e constantes desafetações de áreas públicas) quanto no entorno imediato da mancha, com as quadras 900 e a 901 Norte, como um novo setor hoteleiro, e o novo bairro que abrigará mais de 60 mil novos moradores, no arremate do Eixo Monumental.

Verificamos nos mais de 60 anos de existência de Brasília uma mudança significativa do clima, e que deveria ser o Projeto de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília — PPCUB, recém-aprovado pela Câmara Legislativa do DF em 19 de junho de 2024, que auxiliaria Brasília a reduzir suas emissões e ser uma cidade viva, atrativa, com tempos e distâncias de viagens reduzidas do modal rodoviário, com transporte de massas integrado, com modais de transporte sobre trilhos de ampla cobertura, eficientes e limpos, com espaços urbanos conectados e seguros.

O PPCUB como foi aprovado, muito pelo contrário, permite o parcelamento do solo com as privatizações da orla, edificações nos estacionamentos entre blocos, edificações nas entrequadras 300 das Asas Sul e Norte, a ocupação com edificações em áreas que deveriam ser parque, a possibilidade de transformar em lotes edificáveis as áreas verdes entre os lotes registrados até 1979, construções no setor de embaixadas, motéis em áreas residências, lojas de materiais de construção no Setor de Embaixadas.

Nesse contexto, percebemos proposições no PPCUB que desvirtuam o Plano Piloto e que podem tornar o que antes era solo permeável, numa superfície impermeabilizada com a supressão da vegetação nativa, a rugosidade das superfícies e o aumento do albedo, produzindo uma alterarão significativa da direção e velocidade da ventilação urbana, como uma área potencial de ilha de calor urbana para o espaço existente. O DF merece um território preservado e um futuro mais sustentável e o PPCUB aprovado pela CLDF vai no sentido contrário de determinados valores urbanísticos.

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