Há 10 anos, o Brasil se lançava no mercado de cannabis medicinal. Com um início meio nebuloso, o uso da planta era considerado, à época, como parte de um tratamento alternativo para aqueles pacientes que haviam tentado de tudo em termos de medicamentos tradicionais. A partir daí, seu uso tornou-se mais popular, mas ainda enfrenta certo estranhamento, até mesmo da classe médica brasileira. Segundo a Associação Médica Brasileira (AMB), atualmente 430 mil brasileiros realizam terapia à base da cannabis medicinal no Brasil — no caso, o canabidiol e o tetrahidrocanabinol (principais formas da cannabis em sua apresentação clínica) —, e a tendência é de que esse número cresça nos próximos anos.
Levantamento apresentado pelo Grupo Conaes Brasil, instituição especializada no ensino médico, mostrou a grande dificuldade por parte dos médicos em prescrever receitas contendo a substância, o que, consequentemente, leva à subutilização do tratamento. Talvez por desconhecimento, uma vez que não há, na grade curricular da maioria das faculdades de medicina, aulas específicas sobre a prescrição dos componentes da planta. Talvez pelo descrédito que a cannabis ainda suscita como alternativa terapêutica segura e eficaz, é o que leva parte dos médicos a ficar insegura quanto à indicação. E talvez pelos altos preços dos medicamentos — um tubo custa entre R$ 1 mil e R$ 1,5 mil nas farmácias —, o que afasta o cidadão comum por questões financeiras.
Em dezembro, o governo de São Paulo publicou a regulamentação da lei que prevê o fornecimento de remédios à base de cannabis medicinal pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no estado. O fornecimento foi iniciado no mês passado. Entre as capitais, além de São Paulo, apenas os vereadores de Cuiabá (MT) iniciaram uma votação para aprovar um projeto de lei regulamentando o repasse aos pacientes do SUS.
A partir de pesquisas e estudos desenvolvidos pelas maiores universidades do mundo, em parceria com centros médicos internacionais, a cannabis medicinal tem se mostrado eficaz no tratamento de diversas enfermidades, a exemplo de dores crônicas, como neuropatia, fibromialgia, na epilepsia refratária, na esclerose múltipla e em determinadas condições como mal-estar decorrente de quimioterapia, entre outras tantas doenças genéticas raras.
Na próxima terça-feira (25), 200 autoridades médicas e não médicas se reunirão em São Paulo para a quarta edição do We Need to Talk About Cannabis (WNTC), congresso que discutirá "os principais aspectos relacionados à legislação, políticas públicas, pesquisa e inovação neste campo em constante evolução e que tem o Brasil como protagonista". Espera-se a participação do secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, Carlos Gadelha, além de professores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e de representantes da Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi) e do Conselho Federal de Química. A expectativa é de que iniciativas como essa amadurecem e facilitem o acesso dos pacientes que necessitam de tratamento com medicamentos à base de cannabis.