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Meio ambiente para inglês ver?

Sediando a COP 30, o Brasil poderá apresentar ao mundo uma estratégia séria para enfrentar a emergência climática e proteger a sua biodiversidade. Do contrário, serão apenas discursos de boas intenções

CESAR VICTOR DO ESPÍRITO SANTO, engenheiro florestal, é conselheiro do Conama representando a sociedade civil da Região Centro-Oeste

Há um grande paradoxo relacionado com o meio ambiente no Brasil. Se por um lado vemos esforços por parte do Ministério do Meio Ambiente (MMA) com propostas interessantes, ações necessárias, posicionamentos coerentes sobre projetos de lei em tramitação, entre outras questões, observamos outros segmentos do governo e de parlamentares aliados adotando posturas contrárias a tudo isso, que acabam se sobrepondo às ações em defesa do meio ambiente e levam à destruição dos biomas.

Considerando a urgente necessidade de enfrentamento das mudanças climáticas, duas questões principais estão demonstrando as incongruências do governo e da base aliada no Congresso: a exploração/uso de petróleo e o agronegócio, causas principais da emissão de gases de efeito estufa e do contínuo desmatamento dos biomas, especialmente do Cerrado. Está claro que é aí que o governo deve agir.

Enquanto o Ibama/MMA baseia-se em questões técnicas e científicas para não licenciar a exploração de petróleo na foz do Amazonas/Margem Equatorial, o Ministério de Minas e Energia (MME), a Petrobras e até o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) vão em sentido inverso e pressionam para que a exploração seja autorizada. Enquanto o MMA se esforça para conter o desmatamento nos biomas, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) age para expandir o agronegócio, com incentivos, renúncias fiscais, apoio à flexibilização das leis ambientais, entre outros aspectos que estão acarretando mais desmatamento. 

Matéria publicada no ClimaInfo em 3 de junho de 2024, a partir de artigo do The Guardian, mostra que estudo de pesquisadores do University College London e do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável, publicado na Science, destaca que o mundo tem projetos planejados de combustíveis fósseis suficientes para atender às previsões de demanda energética até 2050 e os governos devem parar de emitir novas licenças para petróleo, gás e carvão. Também muito tem sido dito que o Brasil não precisa desmatar mais nada e, mesmo assim, pode aumentar a sua produção melhorando a produtividade e reincorporando milhões de hectares de pastagens abandonadas. 

Por que essas ideias não prosperam ? Estamos presos em manter as formas de desenvolvimento convencional, atendendo ao interesse do mercado global, que visa apenas o lucro e pouco se importa com a proteção ambiental. Só que isso vai tirar do Brasil a possibilidade de ter uma situação no futuro que nenhum outro país terá. Seguramente seria o país com a maior riqueza natural do planeta, que exportaria serviços ambientais para o mundo, protegendo os seus biomas e fazendo a transição energética justa, com adoção de fontes de energias renováveis, com salvaguardas socioambientais e com medidas de adaptação às mudanças climáticas que já estão acontecendo — a exemplo da catástrofe do Rio Grande do Sul. 

Algumas medidas evidentes precisam ser implementadas urgentemente: aumento das áreas protegidas em todos os biomas, com a criação e a ampliação de unidades de conservação, de proteção integral e de uso sustentável, incluindo povos e comunidades tradicionais; demarcação de todas as terras indígenas do Brasil (os indígenas são os principais guardiões da natureza); suspensão da concessão de incentivos econômicos para produção do agronegócio que gerem novos desmatamentos; não licenciamento de novos empreendimentos de exploração de petróleo ou de qualquer outra fonte de combustíveis fósseis, como gás de xisto e carvão; e incentivos à adoção de fontes de energias renováveis, com salvaguardas socioambientais.

Também deve-se aumentar consideravelmente o orçamento destinado ao MMA, Ibama e  Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Com os desafios impostos, a necessidade de recursos para a área ambiental deve ser muito maior na proposta orçamentária da União. Segundo Bochuy, em Carta para o futuro (1/6/2024), "o orçamento da União aumentou de R$ 2,168 trilhões para R$ 4,36 trilhões nos últimos 10 anos, mas a destinação de recursos para a área ambiental caiu de 0,16% para 0,09%. A receita da União dobrou, enquanto a verba para a área ambiental foi reduzida pela metade". 

Pergunto: como a sociedade brasileira pode admitir um orçamento tão baixo, menos que 0,1%, para proteger a maior riqueza que o Brasil possui: nossos biomas, responsáveis pelos serviços ambientais vitais para o futuro do país e do planeta, como ar puro, água potável, biodiversidade, entre outros elementos da natureza? Proteção ambiental depende de pessoas, não só em número aceitável, como também remunerados à altura da responsabilidade que lhes é conferida: proteger a natureza para as atuais e futuras gerações. O governo deve valorizar devidamente os profissionais da área ambiental e chegar a um entendimento para acabar com a paralisação de servidores do Ibama e do ICMBio que já dura mais de 150 dias. O desmatamento, o garimpo ilegal, o tráfico de animais e os incêndios estão aumentando, e as multas aplicadas diminuíram drasticamente. 

Sediando a COP 30 no próximo ano, o Brasil poderá se tornar um líder global e apresentar ao mundo uma estratégia séria para enfrentar a emergência climática e proteger a sua biodiversidade. Do contrário, serão apenas discursos de boas intenções e com algumas medidas paliativas para "inglês ver", ou melhor, para o "mundo ver". 

 

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