Claudia Costa*
Em janeiro de 2028, terá início a terceira etapa da abertura do Mercado Livre de Energia, 30 anos depois de sua criação, quando a população brasileira poderá escolher livremente de quem contratar o fornecimento de energia elétrica. Será um momento crucial para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o seu papel como agência reguladora em defesa do consumidor e promotora da concorrência.
Por definição, as agências reguladoras são órgãos de Estado, e não de governo, que devem privilegiar os interesses de toda a sociedade. Essa foi uma das grandes mudanças ocorridas no Brasil no final do século passado, quando passamos de um Estado fortemente atuante como agente econômico em setores estratégicos para o desenvolvimento do Estado Regulador, com órgãos autônomos para normatização, disciplina e fiscalização dos agentes privados no segmento de mercado regulado. No setor de energia, o organismo responsável é a Aneel, que tem o dever de fomentar a concorrência para garantir a universalização do acesso à energia elétrica.
Energia é um bem intangível, é direito de todos os brasileiros ter acesso a ela e dever do Estado garantir seu fornecimento, como disposto no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988. A abertura do Mercado Livre de Energia para toda a população está contida no Projeto de Lei nº 414/2021. O documento aguarda a criação de uma comissão temporária pela mesa diretora da Câmara dos Deputados. O objetivo é aprimorar o modelo regulatório e comercial do setor elétrico com vistas à expansão do mercado livre.
Resumidamente, o modelo regulatório é o conjunto de normas que estipula como as empresas privadas devem executar a prestação de serviços públicos, sempre em benefício da coletividade. Por isso, com a abertura do Mercado Livre de Energia em 2028 para toda a população, a sociedade deve, sem demora, participar dessa discussão para garantir seus direitos.
Consumo de energia elétrica é um dos indicadores que apontam o desenvolvimento de um país. No Brasil, de acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério das Minas e Energia, cada ponto percentual positivo do PIB representa quase o dobro (1,8) em crescimento de consumo de energia.
O aumento na demanda energética brasileira segue uma curva de crescimento acentuada. Segundo os dados levantados e organizados pela EPE, o consumo no Brasil deve aumentar em 2,9% anualmente até 2029. O fornecimento de energia também segue em espiral positiva. Dados divulgados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (OSN) mostram que, em 2027, o Brasil vai gerar 250GW, contra 214GW em 2023. O volume de energia pode ser ainda maior se os novos empreendimentos eólicos e solares entrarem em operação dentro do cronograma previsto por seus empreendedores. Nesse caso, o volume de energia que seria colocado à disposição do país chegará a 281GW.
No ranking atual de sistemas geradores de energia, o líder no Brasil é a hidroelétrica, com 52,2% de participação. Na segunda posição, está a geração eólica (12,6%), seguida pela MMGD, sigla para micro e minigeração em pequenas centrais de energia elétrica locais que utilizam fontes renováveis (10,7%). Na sequência, vêm a térmica com gás natural (8,1%), a biomassa (7,4%) e a solar (4,5%).
Segundo o ONS, nossa matriz de fornecimento está em transformação para se tornar mais limpa. As energias eólica e solar devem aumentar suas participações na energia gerada no país. Em 2027, o operador nacional prevê que a energia eólica será responsável por 14,6% do total, ante 12,6% este ano. E a solar também crescerá sua contribuição, passando dos atuais 4,5% para 7,7% em quatro anos.
Atualmente, o Mercado Livre de Energia é usufruído por empresas. Em quatro anos, será a vez do cidadão, sem distinção quanto ao volume de consumo de energia. Por isso, é importante que as regras dessa nova realidade de relação de prestação de serviços sejam claras. É fundamental termos um arcabouço de normas reunidas no marco regulatório que protejam os consumidores, independentemente do seu porte.
Este é o momento de pôr em pauta um assunto dessa relevância. Pode parecer muito cedo, mas, para o cidadão-consumidor, toda hora é hora de garantir seus direitos e de lembrar ao Estado os seus deveres.
*Pós-doutoranda e visiting scholar em direito constitucional pela Universidade Deusto, professora de direito constitucional na Universidade Mackenzie e ex-diretora Adjunta do Procon-SP