Opinião

Tesouros ancestrais do Peru: o resgate das memórias sul-americanas

Exposição em cartaz no CCBB de Brasília pode ajudar visitantes a se reconectarem com suas raízes indígenas sul-americanas e a refletirem em novas formas de sabedoria

RÔMULO ACURIO*

Acabou de ser inaugurada*, em Brasília, a exposição Tesouros ancestrais do Peru, no Centro Cultural do Banco do Brasil, um projeto patrocinado pelo BB Asset e o Ministério da Cultura, com coleções trazidas diretamente do Museu do Ouro do Peru e a curadoria assinada por Rodolfo de Athayde e Patricia Arana. A mostra pode ser visitada, com entrada gratuita, até 11 de agosto.

Nesses tempos de consumo instantâneo, inteligência artificial, mercantilização da cultura, simplificações políticas, sociais e morais, constatamos o quão importante é descobrir ou recuperar a memória e a complexidade das nossas sociedades. Essa, talvez, seja a contribuição possível de países como o Peru, que, pela sua antiguidade, revelam-se verdadeiras reservas de memória e complexidade para o mundo.

No acervo dessa exposição, encontramos cerâmicas, vasos, máscaras, tumis, ornamentos, coroas de ouro, cocares, colares, têxteis, capas e figuras de ouro por meio dos quais apreciamos, de imediato, o sentido de beleza que tinham seus criadores e portadores. O requinte das linhas e formas e a delicadeza das composições, motivos e texturas lhes conferem um elevado valor visual, puramente estético, para além da sua origem histórica.

Mas todos nós também percebemos, tenho certeza, algo da espiritualidade desses objetos, algo do pensamento, da imaginação e das crenças dos povos sofisticados que habitaram, durante séculos, o território do atual Peru: os Moche, Nasca, Chancay, Chimu e Lambayeque; os Vicus, Wari e Incas, bem como a sociedade mestiça do século 16, no início do período colonial. Quando estamos diante desses objetos, como observadores contemporâneos, ficamos intrigados em compreender a cosmologia, a religiosidade e a mentalidade daqueles que os produziram, e inseguros em reconhecer a alteridade radical desse universo não Ocidental.

Nós mesmos, peruanos, não superamos a perplexidade e o fascínio por essas identidades indígenas ancestrais, que são, ao mesmo tempo, tão estrangeiras e tão íntimas, porque estão na origem da nossa mestiçagem — uma mestiçagem problemática que, no entanto, continua a criar novas imagens e ideias, novas expressões das artes visuais, da música, dos têxteis, da joalheria, da literatura, do cinema ou da gastronomia, que todos podem descobrir, hoje, ao visitar o Peru. Em muitos aspectos, esse legado ancestral obriga a nós, peruanos, repensarmos e enfrentarmos, a longo prazo, os desafios do Peru atual, que, como se sabe, são muitos, seja em nível político, econômico ou social.

É por isso que também podemos esperar que essa exposição desperte o interesse do público brasiliense, provocando reações estéticas e intelectuais e o estimulando em sua busca pela memória e pela complexidade. Uma busca que o possa levar, talvez, às raízes andinas da América do Sul, fazendo-o percorrer, simbolicamente, o caminho do Peabiru, aquela rota lendária que ligou, durante séculos, mesmo antes da chegada dos espanhóis e portugueses, as costas do Atlântico e o Pacífico, como evidenciam vestígios ainda visíveis no Paraná ou em Santa Catarina.

Assim, desejamos que, por meio de exposições como essa, os brasileiros sejam encorajados a se reconectarem com suas raízes indígenas sul-americanas e a refletirem em novas formas de sabedoria, espiritualidade e civilidade para o mundo contemporâneo.

 *Embaixador do Peru no Brasil

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