Claudia Azevedo-Ramos*, Paulo Artaxo** e Mercedes Bustamante***
O caráter sistêmico dos problemas induzidos pelas sociedades humanas em várias dimensões resulta em desafios locais e globais cada vez mais complexos. A educação e a ciência são demandadas para prover novos caminhos e abordagens. O mundo do trabalho também passou a exigir profissionais mais versáteis, orientados à resolução de problemas desafiadores.
As instituições de ensino superior fundamentadas em disciplinas são desafiadas a aprimorarem seus modelos educacionais em direção a maior interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. O termo "competência interdisciplinar" refere-se à capacidade de pensar criticamente sobre as limitações das disciplinas individuais, resolver problemas complexos que abrangem múltiplos campos e se comunicar de forma eficaz com equipes diversificadas. A aprendizagem transdisciplinar, que integra de forma significativa diversos conhecimentos e perspectivas de representantes de outras instituições sociais, contribui para o desenvolvimento de uma compreensão integradora. Fomentar essas competências pode preparar os estudantes a abordar problemas do mundo real de forma mais eficaz e dar as respostas que a sociedade clama.
Por exemplo, lidar com as mudanças climáticas e suas consequências, como a tragédia do Rio Grande do Sul, ou enfrentar crises de saúde pública, como pandemias, requer contribuições das ciências ambientais, economia, sociologia, medicina, engenharia, políticas públicas, entre outras. No entanto, cada uma delas é apresentada, em geral, em suas fronteiras disciplinares e, na maioria das vezes, de forma isolada em prédios diferentes das instituições. Nesse sentido, os estudantes de hoje, que serão os profissionais de amanhã, têm muitas dificuldades de vislumbrar e analisar o contexto geral e, a partir dele, desenvolver soluções transformadoras e integradoras.
Os novos desafios impostos requerem, além de pessoal qualificado, conexão com as demandas de realidades diversificadas em um país com as dimensões do Brasil. As instituições de ensino superior e pesquisa precisarão avançar ainda mais na interação com demandas prementes da sociedade. A cultura de aprendizagem não limitada por silos disciplinares está diretamente alinhada com o que deveriam ser as "habilidades do século 21" — pensamento crítico e integrador, resolução de problemas, comunicação, colaboração, criatividade e inovação. Além disso, incentiva a consciência crítica sobre sustentabilidade e questões éticas, promovendo uma mentalidade socialmente mais comprometida. É um erro comum considerar que a inter e a transdisciplinaridade obstam a formação tradicional especializada. Ao contrário, elas integram de forma significativa diversos conhecimentos e perspectivas, contribuindo para o desenvolvimento de uma compreensão mais abrangente e necessária para enfrentar desafios complexos.
Entretanto, integrar campos de conhecimento em novas abordagens continua sendo um enorme desafio. Na falta de modelos pedagógicos consolidados, há espaços para experimentação de modelos próximos a nossa realidade. Há meios diversos para gerar domínios disciplinares interligados, como cursos integrados, projetos inter e transdisciplinares, centros especializados, entre outros. De toda forma, integrar desafios práticos, que partem de demandas reais da sociedade, costuma ter bons resultados ao possibilitar aos professores e estudantes maior experiência com a resolução de desafios cuja solução não se concentra em um único campo do conhecimento.
As agências de fomento para educação e pesquisa podem ser chaves nessa promoção junto às instituições de ensino superior. No entanto, o incentivo requerido vai além do financiamento. Exige uma mudança de paradigma. Ampliar os horizontes de nossos estudantes e apoiar seu desenvolvimento pessoal têm o potencial de alavancar impactos transformadores em direção à construção de modelos sustentáveis, justos e equitativos. Não existe separação disciplinar quando procuramos soluções concretas e eficientes para questões sociais, econômicas ou de sustentabilidade.
Em um mundo em que os problemas raramente se limitam a um campo de estudo, o impulso para a educação superior com base na inter e transdisciplinaridade não é apenas uma tendência. É uma necessidade do nosso tempo, que requer práticas e conteúdos diferentes das atuais.
- *Professora titular do Núcleo de Altos Estudos da Universidade Federal do Pará (UFPA). Diretora no Serviço Florestal Brasileiros (2006-2014);
- ** Professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Centro de Estudos Amazônia Sustentável;
- *** Professora titular do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB)