Em 28 de maio, após acalorados debates ideológicos e partidários, o Congresso Nacional derrubou o veto do presidente da República e limitou a possibilidade da saída temporária de presos, a chamada saidinha. Voltou a valer o texto da Lei 14.843/2024, que alterou a Lei de Execução Penal (LEP), restringindo o benefício somente aos detentos do regime semiaberto que estudam no supletivo profissionalizante, ensino médio ou superior. Na fundamentação do veto, o Poder Executivo baseou-se na importância do convívio familiar para o preso. Entretanto, a tese que prevaleceu, oriunda do Parlamento, firmou-se na reincidência dos internos quando estão gozando do benefício. Inclusive, o ato normativo recebeu o nome do Sargento PM Dias, morto em janeiro após ser baleado por um detento que foi beneficiado pela saída temporária e não voltou ao sistema carcerário de Belo Horizonte.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2023 o Brasil detinha 83.295 presos, sendo que 62,6 % tinham entre 18 e 34 anos e 68,2% eram negros. Por aqui, o encarceramento definitivo se dá depois do devido processo legal e, geralmente, abrange aqueles que fizeram barbáries, aos reincidentes contumazes ou para os que não tiveram condições de sustentar uma razoável defesa técnica. É um cartão vermelho para os que não souberam conviver com seus pares. Para a pessoa presa, a LEP funciona como uma corda: no momento em que o regime se fecha, ela se retém; a partir do momento em que o encarcerado vai galgando etapas — cumprindo requisitos objetivos e subjetivos que levam em consideração aspectos temporais e comportamentais —, as amarras vão afrouxando, havendo a concessão de progressão de regime; até que a pessoa estanque a âncora que o atrela ao Estado e consiga a liberdade.
Quando se fala em preso e sistema carcerário, a pergunta que ascende é: Quem se compadece por essas pessoas ou pelos locais que ficam reclusas? Essa identificação se dá em relação a alguns que ali oficiam, aos que têm pessoas próximas sob grades e aos que enxergam que os seres que ali estão encontram-se "depositados" e merecem uma segunda chance. Como citava a minha mãe, "Quem lá está, boa coisa não fez". Para os mais conservadores, o chavão dileto é: pena de morte. Todavia, pulemos essa etapa, pois o nosso ordenamento, salvo uma exceção, não permite esse tipo de sanção. Então, o dever do Estado é promover a ressocialização.
A saída temporária está atrelada ao regime semiaberto, ou seja, àqueles presos que, muitas vezes, já trabalham extramuros, saem para suas atividades rotineiras e retornam para o presídio ao fim do dia. São esses presos que labutam em empresas, órgãos e obras públicas e que, antes da modificação da lei, tinham o benefício de visitar os seus familiares e a frequentar cursos e outras atividades que contribuíam para a sua reintegração: 35 dias ao ano, em períodos de até sete dias cada. No DF, segundo dados da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), a última saída temporária contemplou 1.725 presos. Destes, 22 não regressaram, ou seja, 1,27 %, e houve seis ocorrências criminais envolvendo presos que gozaram do benefício, isto é, 0,34%. Perceberam, praticaram crimes. Mas urge ressaltar que a maioria retornou, gozou do benefício e está em busca de ser reintegrado. Vejamos uma metáfora: quantos motoristas de todas as classes sociais são pegos dirigindo embriagados? Quantos se envolvem em acidentes graves? Será que seria razoável proibir todos que dirigiram com teor etílico além do permitido a não mais dirigir veículos automotores?
O benefício da saída temporária, nos moldes anteriores, estruturava um amparo estatal ao preso que, em conjunto com outras ações previstas na LEP — no âmbito da saúde, da educação, da família e da assistência social e religiosa —, tinha como intuito reintegrar aqueles que se mantiveram à sorrelfa da lei. No mesmo viés, o benefício corroborava para o equilíbrio e funcionamento do ambiente carcerário, estabelecendo padrões de conduta, evitando o fortalecimento de facções e propiciando uma gestão eficaz do sistema prisional. O que a sociedade não assimilou é que, abominando a pessoa presa, viola-se indiretamente o princípio da responsabilidade pessoal da pena, a qual preceitua que a sanção não passará da pessoa do condenado. A pena transcenderá, e os punidos seremos nós, que não zelamos pela reinserção social do recluso, o qual, um dia, retornará ao nosso convívio e, diante da nossa omissão, poderá voltar a praticar atrocidades fazendo com que o ciclo de violência se perpetue.
*Ricardo Nogueira Viana: Delegado Chefe da 35ª DP e professor de educação física