Vida moderna

Artigo: Eles passarão, eu passarinho...

Quando se vê, o tempo passou, aquele amigo adoeceu e não tem mais condições de receber visitas e o prato delicioso não pode ser saboreado. Que qualidade de vida é essa?

A correria do dia a dia tira o nosso sono, obriga que as refeições sejam feitas sempre de maneira açodada, que as conversas com os amigos e pessoas queridas fiquem para depois e que os planos simplesmente não ocorram. Que qualidade de vida é essa? Quando se vê, o tempo passou, aquele amigo adoeceu e não tem mais condições de receber visitas e o prato delicioso não pode ser saboreado porque o restaurante fechou...

Ah, o tempo. Numa viagem ao Marrocos, eu, como sempre apressada, estava exausta com a longa história interminável e sem fim do guia local, pedi que fosse direto ao ponto. Eis que ele me deu uma das respostas mais inteligentes que já ouvi. "A senhora sabe a diferença entre nós, do Oriente Médio, e vocês"? Acenei negativamente. Veio a resposta: "Vocês têm pressa. Nós? Temos tempo."

Desde então, parei para pensar na beleza e no prazer das coisas mais simples e cotidianas. Adoro andar devagar pelas ruas de Brasília, olhando as flores e plantas. Escolho a minha favorita e até batizo. Também sou capaz de estacionar o carro em local que nunca passei porque gostei da proposta do lugar: um pastel, um doce e, depois, trato de cuidar do peso na consciência.

Sim, peso na consciência porque saí da dieta e posso engordar, porque gastei mais tempo no caminho do que deveria e acabei me enrolando para o compromisso seguinte. Mas como diria o marroquino: "Temos tempo". É preciso parar para ter tempo e se dar tempo porque, do contrário, a vida te trava e mostra que ela que manda em você e, não o contrário.

De uns anos para cá, resolvi seguir a máxima de uma grande amiga que sobreviveu a três cânceres - mama, útero e cérebro. Segundo ela, depois desse desafio, ela passou a dar valor ao que realmente tem valor. Antes, eu era a brigona. Não deixava passar nada, um desaforo era rebatido, uma palavra mal colocada, devolvida. Agora?

Bem, agora, não vou dizer que faço a digestão com tranquilidade. Não, não faço. Mas olho bem para a pessoa, avalio até que ponto ela é importante na minha vida, se responder vai me trazer algum benefício. Em geral, o silêncio é a melhor resposta. As pessoas não estão acostumadas ao silêncio, pois a agressividade anda tão em alta que quando são virulentas, já se preparam para retaliação.

Lembro-me sempre do meu querido Mario Quintana, quando a repórter perguntou para ele, como reagia, pois,  pela terceira vez, teve o nome rejeitado pela Academia Brasileira de Letras (ABL), um sonho cultivado pela mãe do poetinha que imaginava o filho de fardão. Risonho, olhos baixos e uma carinha de quem enxerga ao longe, Quintana respondeu com a icônica frase: "Eles passarão, eu passarinho".

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