ARTIGO

Artigo: Labirinto provinciano

Os mundos político, econômico e social são dominados pelas narrativas. Quem as constrói melhor e mais rapidamente consegue influir no cenário desejado

 * André Gustavo Stumpf

Os tempos que correm guardam incógnitas no Brasil e no mundo. Por que o jornalismo profissional foi ultrapassado, com enorme facilidade, pelas redes sociais? No Brasil, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a profissão não exige diploma e qualquer pessoa pode exercê-la. Com essa decisão, abriu o território para todos aqueles que publicam opiniões como se fossem fatos. Também aos que de má-fé divulgam mentiras como se fossem verdades. As fake news modificaram o resultado de eleições, dividiram países e contribuíram até para que os ingleses deixassem a União Europeia, o que resultou em grande prejuízo para eles mesmos.

O jornalismo profissional perdeu sua importância relativa. Os mundos político, econômico e social são dominados pelas narrativas. Quem as constrói melhor e mais rapidamente consegue influir no cenário desejado. Alguns fatos são especialmente constrangedores: na economia brasileira, os observadores insistem em que o país está vivendo dificuldades por sua fragilidade na área fiscal. É um ponto de vista. No entanto, a economia brasileira ignora essa análise, cresce 0,8% no trimestre e alcança o oitavo lugar entre as maiores economias do mundo — na frente do Canadá e da Itália. Com desemprego em baixa e inflação controlada.

Mas investidores estrangeiros fogem da Bolsa de Valores brasileira. Neste ano, a fuga de capitais, segundo as fontes do setor, alcançou US$ 35 bilhões. É muito dinheiro. Explica, em parte, a disparada do dólar no país. Bateu em R$ 5,30, enquanto a B3 frequenta seus níveis mais baixos. Há uma evidente dissonância que não é explicada pelos observadores credenciados. Eles, aliás, têm errado muito nas previsões relativas à economia brasileira desde o ano passado. Os equívocos continuam a se repetir. A mediocridade da imprensa atual reduziu o debate à aplicação, ou não, de uma taxa de 20% sobre importações de até US$ 50. É um volume muito pequeno que não agrava a desindustrialização do país. Esse é um fenômeno anterior que responde a diversas causas.

Essa dissonância entre fatos e realidade esconde a rápida valorização do ouro nos últimos nove meses. Em outubro de 2023, a onça-troy (31,1 gramas) valia US$ 1.902 e, na semana passada, alcançou US$ 2.322, ou alta de 23% no período. É uma situação imprevista no cenário atual de juros elevados. O investimento em ouro não rende juros. O retorno corresponde à diferença de preço entre compra e venda. No entanto, como sabem os experientes e os que passaram por dificuldades, alguns produtos têm valor nos momentos mais graves: chocolate, que alimenta, e ouro, que tem valor em qualquer situação e em qualquer lugar do mundo.  

Alguém poderoso está se prevenindo do pior. O Banco Popular da China está se desfazendo de suas posições em títulos do Tesouro dos Estados Unidos e aumentando reservas em ouro. Pessoas físicas da China estão reduzindo suas aplicações em imóveis, a partir da grande crise do mercado imobiliário, e fazendo posições importantes no metal dourado. Na China, não existe sistema previdenciário semelhante ao brasileiro. O cidadão precisa investir em algo que mantenha valor para se proteger nos anos de velhice. Essa é uma das explicações.

A outra é que alguns consultores começam a desconfiar que o declínio do poder político dos Estados Unidos reduz a confiança no dólar como moeda de reserva. As compras do precioso metal pelos bancos centrais são indício de que essa preocupação ronda os mercados financeiros globais. No fim da Segunda Guerra Mundial, as grandes potências decidiram atrelar o dólar ao câmbio de US$ 35 por onça-troy. Mas as emissões de moeda foram tão grandes que o Tesouro dos Estados Unidos não conseguiu segurar aquela relação. Em 1971, o presidente Richard Nixon suspendeu a conversibilidade. O dólar continuou a funcionar como principal moeda de reserva porque não havia outra. Agora, há a tentativa chinesa de colocar o yuan como moeda de reserva nas relações internacionais de troca. Existe, portanto, alternativa. 

A melhor resposta brasileira a esse oceano de novidades é crescer rapidamente de maneira sustentada. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, do MDB, divulgou interessante trabalho de integração, via fluvial, da economia brasileira aos países vizinhos no continente. O objetivo, além de trazer novos parceiros comerciais para o país, é alcançar, com menor prazo e menor preço, o poderoso mercado asiático a partir dos portos sul-americanos situados no Oceano Pacífico. O próprio governo não atribui importância ao trabalho por seu viés neoliberal. E a imprensa prefere se deter nas discussões do Parlamento que não conseguem sair do labirinto provinciano. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, faz bons diagnósticos, mas não criou até hoje um único emprego. 

* Jornalista

 


Mais Lidas