Renato Lopes e Lilian Mazza*
Sancionado pelo presidente Lula no último dia 29, o Projeto de Lei (PL) 7.082/2017, que aborda a pesquisa clínica em seres humanos e estipula diretrizes para o controle das boas práticas, tem tudo para alavancar a ciência como propulsora do desenvolvimento socioeconômico do país. A versão final desburocratiza processos, projeta e torna o Brasil mais competitivo, inclusive no cenário internacional.
Até agora, a pesquisa clínica em humanos é gerida por resoluções que cumprem papel orientativo. A lei que passará a vigorar no fim de agosto foi aprovada com dois vetos mínimos: um dos artigos permitia a comercialização de medicamento experimental aos participantes das pesquisas após cinco anos do fim do estudo. Também foi vetado o trecho que trazia a exigência de comunicação ao Ministério Público sobre participação de indígenas nas pesquisas, por ferir o princípio da isonomia.
A nova lei traz a definição de 56 termos legais e científicos e estabelece uma legislação que garante direitos e deveres para pesquisadores, patrocinadores, participantes e demais envolvidos. O texto amplia o âmbito das pesquisas clínicas de saúde com seres humanos para qualquer área do conhecimento. Mantém ainda o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa Clínica com Seres Humanos, que se segmentará em uma instância nacional de ética e nos comitês de ética em pesquisa (CEPs), sob a batuta do Poder Executivo.
Trata-se de um avanço que pode colocar o Brasil ao lado dos 10 melhores na área. O país ocupa, atualmente, a 20ª posição no ranking global, com apenas 2% dos estudos clínicos realizados no mundo em 2022. O estudo A importância da pesquisa clínica para o Brasil, publicado pela Interfarma, produzido em parceria com a IQVIA e com apoio da Aliança Pesquisa Clínica Brasil, mostra que, com o melhor aproveitamento de seu potencial, ao alcançar a 10ª posição, o Brasil poderá atrair um investimento estimado de R$ 3 bilhões/ano, com efeitos ainda maiores na economia: em torno de R$ 5 bilhões/ano.
Do ponto de vista econômico ainda, a redução de uma instância regulatória e ajustes nas diretrizes brasileiras tendem a contribuir para atração de investimentos. Há de se levar em conta também os inestimáveis ganhos por retenção de capital intelectual. Nos últimos anos, o país vem experimentando a "fuga de cérebros", e, com um cenário mais favorável à oferta de oportunidades de carreira aos muitos talentos brasileiros, conseguiremos frear a evasão de cientistas para o exterior. Isso sem falar nos impactos na competitividade da indústria farmacêutica e de dispositivos médicos brasileiros, ao permitir que estudos conduzidos por aqui, com participação de centros internacionais, acelerem aprovação regulatória em outros países também.
No país reconhecido mundialmente pela morosidade na aprovação de um estudo clínico (são mais de 200 dias, em média), simplificar e agilizar os processos beneficiará milhões de brasileiros, que terão acesso às mais inovadoras terapias com menos tempo de espera pelos medicamentos. Deixar apenas um órgão responsável por essa avaliação e diminuir os prazos (os comitês de ética passam a ter 30 dias para análise) mitiga, ainda, riscos de duplicidade na aprovação da pesquisa.
Romper a barreira da burocracia abre muitas oportunidades para o Brasil, sobretudo por sua diversidade — nossa população é altamente miscigenada. Adicionemos a esse cenário um único exemplo: as doenças raras. A estimativa é de que haja, no Brasil, 13 milhões de pessoas afetadas e à espera de tratamento, sendo que 80% dos casos têm origem genética e 70% dos diagnosticados são crianças. Não há tratamentos aprovados para mais de 90% das doenças raras, e os pacientes recebem cuidados paliativos e reabilitação.
Não há dúvidas de que estudos para desenvolvimento de novas medicações e procedimentos médicos são importantes para a inovação em saúde, desde que com a devida preservação dos padrões éticos e de respeito à dignidade humana. Nosso entendimento é de que, de fato, esse não é um interesse que deve ficar restrito ao órgão regulatório e aos pesquisadores, mas precisa do envolvimento de toda a sociedade. Assim, acreditamos que os avanços vão ampliar o acesso dos brasileiros a tratamentos de ponta e projetar o Brasil no cenário de pesquisa clínica global.
*Professor do Departamento de Medicina da Duke University/EUA e faculty founder da BCRI/MedIQ. Diretora de Operações de Ensino e Pesquisa do BCRI/Med.IQ Academy
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