Potência

Clube social negro: por que Brasília precisa ter um?

Ter um espaço dedicado a promover o convívio, preservar a história negra, celebrar a cultura e fortalecer as iniciativas da população negra da cidade é mais do que possível, é desejado

Heitor Perpétuo*

 

"O Aristocrata chegou a contar no seu auge, na década de 70, com 3,6 mil sócios e tinha sede na capital e um clube no campo na zona sul da cidade. Suas festas e bailes de gala atraíram até 5 mil pessoas, incluindo artistas, como Cartola e Wilson Simonal, políticos como Jânio Quadros e celebridades internacionais, como Sarah Vaughan e Muhammad Ali. O clube é um marco na história da sociedade brasileira, pois, mesmo com a Lei Afonso Arinos (Lei 1390/51, de 3 de julho de 1951), que proibia a discriminação racial no Brasil, os clubes restringiam o acesso dos negros em suas dependências, assim, o povo negro construiu uma nova possibilidade de lazer."

O trecho acima está no PL 01-483/2022 da Câmara Municipal de São Paulo, em uma proposição para declarar a Associação Aristocrata Clube de São Paulo como patrimônio cultural imaterial daquela cidade. O Aristocrata é um clube social negro. Assim como o Floresta Aurora, o primeiro do Brasil, em Porto Alegre; o Renascença, com seu tradicional Samba do Trabalhador, no Rio de Janeiro; o 13 de Maio, em Curitiba; o Clube Mundo Velho, em Minas Gerais; entre outros. Hoje, estão mapeados cerca de 150 clubes sociais negros no Brasil, segundo o site clubessociaisnegros.com. Parece muito? Continue lendo.

O que esses clubes têm em comum é o fortalecimento do convívio e da identidade afro-brasileira, resultando em grande relevância histórica, social, política e econômica para os locais em que estão instalados e para o Brasil. Ainda hoje, abrigam memórias e acervos que não estão nos livros, abrigam a vida e a obra de pessoas negras. Nesses espaços, nosso povo se reuniu para existir e coexistir, para celebrar, para se curar das mazelas sociais, para se emancipar, para aprofundar conhecimentos, para aquilombar, para pensar em estratégias políticas e econômicas e, claro, para deixar do lado de fora da porta, ao menos por alguns instantes, o racismo da sociedade brasileira. 

Porém, essa riqueza está se perdendo. Muitos clubes sofrem com a falta de recursos, com a falta de apoio público e privado, com pressões imobiliárias, com a gentrificação, entre outros fatores, e muitos deles foram obrigados a encerrar as atividades. Tem clube social negro que foi criado antes mesmo da Lei Áurea. Então, imagine quanto valor histórico possui! Não são apenas seus frequentadores que perdem com esses encerramentos, mas toda e qualquer pessoa que deseja saber mais sobre a história negra no Brasil.

Infelizmente, não é fácil avançar nas demandas do nosso povo. Um exemplo: desde 2009, existe um pedido protocolado no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para registro dos clubes sociais negros como Patrimônio Cultural do Brasil e inscrição no Livro de Registro dos Lugares de Memória. 

Mas, e Brasília? Por que precisamos ter um clube social negro aqui?  Brasília é uma centralidade política, onde são tomadas as decisões que afetam os povos de todo o país. É a terceira cidade mais populosa do Brasil (IBGE). Tem mais de 59% da população se autodeclarando negra (IBGE). É quarto lugar no ranking das cidades mais empreendedoras (Enap). Está cercada por embaixadas e potenciais intercâmbios socioculturais (131 representações diplomáticas, a segunda maior do mundo). Abriga mais de 40 clubes no Plano Piloto. Mas não tem nenhum clube social negro. 

Lembra dos 150 clubes sociais negros que citei? Para efeito de comparação, os centros de tradições gaúchas (CTGs) somam mais de 3 mil unidades no Brasil e no mundo, sendo dois em Brasília, além de mais de 4 mil piquetes, segundo o Movimento Tradicionalista Gaúcho. O CTG é, sem dúvida, um case de sucesso que vale a pena ser observado.

Aqui na capital federal, no dia 11 abril de 2024, fizemos um encontro sobre o tema, reunindo quase 70 pessoas, incluindo membros de diversos coletivos negros, servidores públicos, profissionais liberais e estudantes, com o objetivo de abrir as conversas sobre a criação de um clube social negro na cidade. Ficou claro que ter um espaço dedicado a promover o convívio, preservar a história negra, celebrar a cultura e fortalecer as iniciativas da população negra da cidade é mais do que possível, é desejado. 

Mas foi só o primeiro passo. Não vemos a hora de dar o segundo, o terceiro, o quarto e ver esses mesmos pés em chão firme, chão negro, dançando e celebrando entre seus pares, deixando do lado de fora da porta o racismo da sociedade brasileira, ao menos por alguns instantes.

 *Comunicador social, especialista em comunicação, coordenador de Criação na Moringa Digital. 

 

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