OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS*
O esporte de alto rendimento oferece muitos exemplos para a sociedade ao mostrar como os atletas desse nível enfrentam os desafios diários tanto nos treinos como nas competições. O esforço físico intenso, o equilíbrio do corpo e da mente, a resiliência ante derrotas, a humildade ante vitórias, a busca pelo erro zero são situações que a mente e o corpo desses semideuses do esporte têm que lidar.
Com a aproximação das Olimpíadas de Paris 2024, a imprensa em geral tem divulgado notícias sobre as diversas modalidades da competição, destacando os atletas selecionados pelos países, os torneios preparatórios, as esperanças de medalha, as superações. Nesse diapasão, um recente documentário, veiculado em canal esportivo brasileiro, destacou o mais famoso nadador australiano dos últimos anos: o lendário Yan Thorpe.
Alcunhado de torpedo humano, Thorpe foi cinco vezes campeão olímpico, seis vezes campeão mundial e diversas vezes recordista mundial em provas de curta e média distâncias. Contudo, mesmo um atleta tão vitorioso como Thorpe enfrentou seus fantasmas emocionais ao percorrer a trilha que o levou do olimpo extasiante das vitórias ao inferno frustrante da decadência física e psicológica.
Por sorte, com auxílio da família, de amigos e profissionais da área de saúde, ele reencontrou a razão de viver, assumindo o papel de referência e promotor de novos atletas, bem como o de defensor dos direitos cidadãos.
As fatigadas lideranças intelectuais, religiosas, econômicas, militares, políticas etc. — e elas estão por todos os países — parecem conviver com dilema existencial semelhante ao vivido pelo Torpedo Humano após o abandono das piscinas. Elas fogem do imperativo de compreender a finitude dos ciclos da vida e do poder e não aceitam o inevitável: a juventude não é eterna, o tempo chega para todos e a renovação é benéfica para a coletividade.
Como agravante do processo social maniqueísta que adoece as tribos do mundo contemporâneo, os países — quase sem exceções — também vêm enfrentando crises de toda ordem que se sucedem e se aprofundam. Para encarar essas crises, as pessoas têm aceitado baixar as armas da racionalidade se aliando, sem muito aprofundar ideias, às falácias de líderes arcaicos que, no passado, foram até exitosos, mas agora esperam apenas sobreviver e manter-se no poder.
Felizmente, a vida não flui como no saboroso filme O curioso caso de Benjamim Button, encenado por Brad Pitt e Cate Blanchett. As pessoas da vida real não nascem velhas e vão rejuvenescendo à medida que o tempo avança. Elas vão ficando sim, no dia a dia, mais e mais turronas e entrevadas. A agilidade de pensar, por exemplo, vai perdendo espaços para locuções protelatórias, como então, veja bem, como é mesmo, deixe-me pensar, pois é, talvez, hum...
Os companheiros de jornada também ficam velhos, sofrem das mesmas agruras e já não podem dar o máximo de suas capacidades no trabalho de equipe. É no campo político que o problema ganha corpo. Segundo levantamentos da imprensa mundial, dezenas de países, desde os sistemas mais democráticos até os menos liberais, passarão este ano por processos eleitorais de grande monta.
Independentemente do viés ideológico dos eleitos — assunto que não é alvo deste texto —, não é razoável que as sociedades detentoras de espaços para mudanças promissoras escolham continuar enfrentando novos problemas com velhas soluções. Respeitando o passado exitoso de antigos gestores públicos e privados, é necessário que a coletividade descubra e desperte novos talentos a conduzirem com capricho, e oxigenados por outras visões de mundo, o futuro de suas "equipes".
Afastados do poder afrodisíaco (lembrando o diplomata estadunidense Henry Kissinger), os maduros gestores podem ainda reencontrar outra razão de viver ao embarcarem em novos projetos, compatíveis com as muitas experiências acumuladas ao longo de suas vidas e adequados para o momento em que se encontram.
Há espaços para o recomeço. Thorpe é um exemplo. É o caso de tentar. Buscar mudar, nesse caso, não é questão de etarismo. É realidade que se impõe ao mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo (VUCA).
*General da reserva. Foi chefe do Centro de Comunicação Social do Exército