Economia

Artigo: Demografia e tecnologia desafiam a Previdência Social

As reformas dos sistemas previdenciários terão de ser executadas como um processo contínuo. Os países, o Brasil inclusive, terão de partir para outras bases de financiamento da Previdência Social

JOSÉ PASTORE* 

As sociedades humanas estão envelhecendo muito depressa. No Brasil, entre 2010 e 2022, os idosos passaram de 10,5% para 16% da população. Consequência: o sistema previdenciário está novamente sob estresse. Esse quadro é geral. O número de países que têm deficits na Previdência Social é enorme. Em primeiro lugar, está a Espanha, seguida por outros países da Europa — Áustria, Itália, Holanda, França, Eslovênia e Portugal. No Brasil, espera-se um deficit de quase R$ 400 bilhões em 2024.

Na base da pirâmide populacional, ocorre uma dramática diminuição da taxa de natalidade, o que também agrava o deficit previdenciário. Para compensar o aumento de idosos inativos e a escassez de jovens ativos, cresce o uso de tecnologias que substituem mão de obra, como sempre ocorreu na história. Entretanto, essa compensação traz efeitos secundários de grave consequência.

De forma estilizada, sabe-se que, toda vez que entra um robô numa empresa, saem dois, três empregados que, juntos com seus empregadores, param de recolher contribuições previdenciárias — enquanto que o robô nada recolhe. Como essas pessoas continuam vivendo e envelhecendo, mais cedo ou mais tarde, precisarão da Previdência Social, sem ter contribuído o suficiente.

Ou seja, as novas tecnologias resolvem um problema e criam outro — a menos que todos os deslocados dos seus empregos retornassem ao mercado de trabalho na forma de empregados, o que não ocorre. No mundo inteiro, cresce o trabalho autônomo realizado por pessoas que nem sempre mantêm vínculos com a Previdência Social ou, quando o fazem, contribuem pouco e de forma errática, como é o caso dos microempreendedores individuais (MEIs) no Brasil.

Os estímulos para atenuar a queda da taxa de natalidade têm falhado. Na maior parte dos países, a taxa de fecundidade está abaixo de 2,3 filhos por mulher — que é o mínimo para manter a população estável. Os demógrafos estimam que a taxa média esteja em torno de dois. Nos países avançados, é de 1,6. No Japão, 1,2.

Por que tamanha queda? Há dois fatores básicos: ter muitos filhos deixou de ser um ativo produtivo — o que compensa é ter filhos que sejam bem educados para trabalhar no novo mundo tecnológico, o que custa caro; e o aumento da participação da mulher no mercado de trabalho elevou o custo de oportunidade de ter muitos filhos. No caso, a falta de recursos se junta à falta de tempo para criar as crianças.

Pagar moças para terem filhos não tem funcionado. Melhor é prover facilidades para as mães cuidarem dos bebês enquanto trabalham — creches, escolas infantis e centros de apoio. Nos países em que isso existe (Escandinávia), a taxa de fecundidade está subindo. Mas, novamente, são soluções dispendiosas para as empresas e o Poder Público, o que limita a sua utilização nas sociedades mais pobres.

Tudo indica que, daqui para frente, as reformas dos sistemas previdenciários terão de ser executadas como um processo contínuo. Isso não é nada trivial, visto que elas sempre geram fortes reações sociais. E, quando são aprovadas, já estão atrasadas, pois o tempo da demografia é mais curto do que o tempo da política. No Brasil, depois de 25 anos de luta, a reforma foi aprovada em 2019, quando já estava ultrapassada.

Esses problemas sugerem que a folha de pagamento de empregados se tornou uma base de arrecadação muito frágil em vista do crescente número de pessoas que não mais trabalham nessa condição e, sim, como autônomas, de modo pessoal ou por meio de plataformas. Por isso, penso que os países, o Brasil inclusive, terão de partir para outras bases de financiamento da Previdência Social — tributação de tecnologias, fundos formados por vários aportes, contribuições sobre a receita das empresas etc. Essa luta não é simples. Mas, provavelmente, terá menos resistência da população. Quem viver verá.

*Professor aposentado da FEA-USP e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP. É membro da Academia Paulista de Letras        

 

 

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