Mozart Neves Ramos*
A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) me convidaram, recentemente, para falar sobre o futuro da universidade no Brasil. Na oportunidade, comecei dizendo que só vamos alcançar um futuro promissor para o ensino superior em nosso país quando formos capazes de resolver o problema da qualidade da nossa educação básica. Isso implica, entre outras coisas, que as universidades precisarão colocar esse nível educacional na sua apertada agenda de prioridades.
Nossos jovens estão ingressando no ensino superior com muitos deficits de aprendizagens que impactam fortemente a própria qualidade do ensino nas universidades. Basta ver os atuais índices de reprovação e de abandono. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que, de cada 100 ingressantes no ensino superior, 59 desistem. Outro dado preocupante dessa mesma fonte: dos que ingressam nos cursos de pedagogia, 50% não alcançam sequer 450 pontos no Enem. O que isso significa? Que esses estudantes não receberiam o certificado de conclusão do ensino médio com tal pontuação, mas, mesmo assim, estão entrando na universidade. E eles supostamente serão os futuros professores de nossas crianças.
Outro exemplo alarmante: de cada 100 concluintes do ensino médio da rede pública, apenas cinco aprenderam o que seria esperado em matemática, de acordo com os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2021. Em 2019, esse número era sete — portanto, não vamos responsabilizar a pandemia por esse desastroso resultado. Mas o problema do aprendizado da matemática já começa nos anos iniciais do ensino fundamental (EF), se amplia ainda mais nos anos finais e chega ao seu ápice no ensino médio. Se não vejamos, em 2021, no 5° ano dos anos iniciais do EF o percentual de alunos com aprendizado adequado em matemática é de 37%; no 9° ano dos anos finais do EF esse percentual cai para 15% e chega ao fim do ensino médio, como vimos acima, a 5%. Um desastre que virou rotina nos últimos 20 anos, já que não se vê uma ação concreta e estruturante para reverter esse quadro.
Além das avaliações a nível nacional, alguns sistemas de avaliação de estados brasileiros corroboraram tais resultados, como foi o caso do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) de 2021. Por exemplo, um aluno do 5º ano do EF apresentou proficiência esperada para um estudante do 2° ano do EF. Para se ter uma ideia do que isso significa, 62% dos estudantes não conseguem resolver uma questão de matemática do tipo: "Uma construtora encomendou 10 mil parafusos a uma loja, mas a loja tinha apenas 3.825 em estoque. A quantidade de parafusos que faltam para completar a encomenda é ...".
Em maio último, em São Paulo, a B3 Social promoveu um encontro para debater esse grave problema da aprendizagem da matemática no Brasil. Na oportunidade, uma pesquisa da Fundação Itaú Social, tomando como referência uma metodologia francesa, revelou o impacto no Produto Interno Bruto (PIB) da baixa aprendizagem da matemática no país. Por sua vez, o Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (IEDE) fez uma análise comparada dos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2022 do Brasil com os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) nas três disciplinas avaliadas: leitura, ciências e matemática. Estamos ruins em todas as três, mas a situação da matemática é ainda pior.
Considerando apenas os alunos de mais alto nível socioeconômico (NSE), o percentual em países da OCDE de estudantes com aprendizado adequado em matemática é de 64%, enquanto no Brasil é de 26%. Para os alunos de mais baixo NSE, o percentual da OCDE é de 20%, mas no Brasil é de apenas 3%.
Fica claro que precisamos fazer algo para reverter esse desastroso quadro do aprendizado da matemática no Brasil. Por onde devemos começar? Em primeiro lugar, tornando o ensino da matemática mais prazeroso aos nossos estudantes. Isso passa pela formação de professores. Não basta apenas dominar os conteúdos, mas é preciso saber como ensiná-los. Vamos precisar ter uma carreira atraente, e isso passa por melhor remuneração e desenvolvimento profissional ao longo da vida.
Há esforços importantes feitos hoje no Brasil que poderiam inspirar essa mudança, como a Olimpíada Brasileira de Matemática. Mas é preciso ir além da busca de talentos, como se propõe essa importante iniciativa, que pode ser um ponto de partida para a mudança. Professores inspiradores da educação básica poderiam ser recrutados para formar futuros professores nas universidades. Por fim, uma grande aliança nacional, sob a coordenação do Ministério da Educação, em colaboração com estados e municípios, universidades e instituições científicas, como a ABC e a SBPC, além de institutos e fundações do terceiro setor comprometidas com a causa.
Trata-se de um esforço nacional, uma espécie de Todos pela Matemática, que vai ultrapassar os tempos de governo para que, de fato, o país alcance, em um futuro próximo, resultados promissores no campo da aprendizagem em matemática por parte de nossos estudantes.
* Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE