Carolina Ricardo*
Falta diversidade e multiplicidade no debate da segurança pública no Brasil. Nesse terreno, a polarização costuma gritar alto: ou se adota uma visão que considera que a violência e a insegurança são fruto exclusivamente das desigualdades sociais, sendo possível resolver essas questões apenas quando as mazelas sociais forem solucionadas, ou se adere ao apelo fácil do endurecimento — à crença de que não há alternativa para enfrentar o crime se não for com atuação policial violenta, penas mais severas e armas espalhadas nas mãos de civis. O resultado disso é o empobrecimento da discussão sobre os caminhos mais efetivos para garantir segurança a uma população que se sente desprotegida. Perde não apenas o debate sobre segurança pública, como também perde a qualidade da democracia.
É preciso romper com essa lógica dual na segurança pública. Eis por que é tão importante dar mais colorido ao tema, com diversidade e multiplicidade de visões. Ampliar a qualidade do debate é um desafio, pois temos a absoluta convicção de que, sem espaços democráticos e diversos e sem debate qualificado e racional, avançaremos pouco no aperfeiçoamento de políticas públicas em uma área-chave como é a segurança pública — diferentes pesquisas de opinião têm apontado a segurança como um dos principais, ou às vezes o principal, problema a ser enfrentado pelos governos. Sobretudo num debate que concentra muitas polêmicas, em geral conduzido de forma visceral, pautado pelo medo e marcado por políticas carentes de fundamentação racional, sem bases em evidências sólidas.
O Sou da Paz nasceu há 25 anos para colocar na agenda pública a importância do controle de armas para a redução da violência no país, já que, em 1996, uma pesquisa da ONU colocava o Brasil como o país em que mais se matava com armas de fogo em todo o mundo. A organização seguiu trabalhando em parceria com instituições policiais para construir modelos democráticos e eficientes de policiamento em parceria com organizações e governos locais para desenvolver metodologias de prevenção da violência, além de dedicar esforços contínuos para a qualificação do debate público.
A população brasileira tem escassos exemplos práticos de abordagens eficazes na política de segurança. É frequente que as pessoas demandem apenas maior presença policial nas ruas e mais prisões devido à percepção de ineficácia do Estado em prevenir, investigar, julgar e deter indivíduos de maneira adequada. As evidências mostram, no entanto, que são as políticas que priorizam a prevenção do crime, a reabilitação de infratores, o investimento em inteligência e investigação policial e o uso de dados e integração entre agências que realmente reduzem o crime e a violência e que promovem segurança pública.
Precisamos de uma cooperação estreita entre as instituições públicas, a sociedade civil e as comunidades afetadas, buscando a construção de soluções sustentáveis e inclusivas. Uma lógica que escape das tentações de dar respostas rápidas ao clamor popular por punitivismo. Uma segurança pública eficaz, humana e capaz de gerar resultados positivos no curto e no longo prazo.
Há dois eixos fundamentais: de um lado, atrair mais pessoas dedicadas a discutir e pautar melhores políticas de segurança pública, com controle social fortalecido, uma sociedade mais bem informada e mais engajada sobre o tema e uma juventude participativa, além de debates eleitorais propositivos; de outro, a promoção de políticas de Estado efetivas e com boas práticas, reduzindo a impunidade dos crimes violentos, fortalecendo a capacidade de esclarecimento de homicídios, dando visibilidade a políticas de gestão para resultados na segurança pública e retirando armas, sobretudo as ilegais, de circulação do país.
Esses dois eixos implicam também uma multiplicidade de possibilidades de ação do Estado — muito além do debate reducionista que associa segurança pública à polícia e conjuga combate ao crime às penas mais duras. Isso é fundamental para que a sociedade passe a questionar respostas violentas e punitivas, demandando diferentes formas de lidar com o problema — de maneira mais construtiva, democrática e eficiente.
* Diretora-executiva do Instituto Sou da Paz