Mais do que plano, o correto seria falar do processo do real, e de 40 anos em vez de 30. A bem da verdade, começou em 1984, com a publicação do trabalho conhecido como proposta Larida, de Pérsio Arida e André Lara Resende, e teve como última medida a publicação do decreto presidencial oficializando a meta de inflação contínua em 3%, na quarta-feira passada, 26 de junho de 2024.
Não foi uma ideia mágica que fez a mudança. Foi um trabalho que combinou teoria econômica, habilidade política, aprendizado com os erros e criatividade. Além da proposta Larida, que inspirou o Plano Real, houve um processo de aprendizado com o Plano Cruzado, em 1986, depois o Plano Bresser, o Plano Verão, o Plano Collor I e o Plano Collor II. Todos fracassaram em acabar com a inflação, mas deixaram ensinamentos para a formulação do Plano Real.
Um ensinamento importante foi a comunicação. Enquanto os planos anteriores eram comunicados na véspera, o Real começou a ser anunciado quase um ano antes. A academia, a classe política e a população tiveram explicações detalhadas das causas da inflação e da estratégia proposta para acabar com ela.
As primeiras medidas foram em 1993, com destaque para a abertura da caixa-preta, que deu mais transparência à atuação do Banco do Brasil e melhorou o controle das políticas monetária e cambial. Outra medida foi a criação do Fundo Social de Emergência, que facilitou a geração de superavits fiscais.
Em 1º de março de 1994, começou a fase da Unidade Referencial de Valor (URV) e atrelou todos os preços em cruzeiros reais ao novo padrão, que era alterado diariamente. Em 1º de julho, data comemorada amanhã, foi feita a transição, e a sincronização retirou pressões inflacionárias da nova moeda, o real.
No primeiro semestre do Plano Real, tentou-se o controle de agregados monetários, que foi substituído pelo uso da taxa de juros como principal instrumento. A política cambial também mudou; em um primeiro momento, até março de 1995, flutuou e, depois, passou a ser desvalorizado à taxa de 7% ao ano.
A boa comunicação explicando o real foi importante para a sua aceitação. Foi majoritária, mas não total. O fracasso dos cinco planos anteriores, todos diferentes entre si, deixou a sensação de que era mais um apenas para alguns. O convencimento de que esse era definitivo demorou, mas chegou.
O sucesso inicial foi meritório, a economia cresceu e a inflação despencou. Todavia, os sinais de esgotamento apareceram em 1997, com um desempenho mais fraco da atividade econômica e pressões fortes no balanço de pagamentos. O governo atuou dois anos depois, quando desvalorizou o real, adotou o regime de metas de inflação e a lei de Responsabilidade Fiscal. Corrigiu a rota.
Outro avanço foi uma abertura maior do sistema financeiro, permitindo a entrada de mais bancos estrangeiros, uma maior transparência do mercado e uma preocupação com uma regulamentação mais eficiente. Por outro lado, registraram-se algumas falhas na gestão prudencial, na questão cambial e no controle dos agregados monetários.
Dois pontos a destacar: regimes de política econômica se esgotam no tempo e o imobilismo tem custos. Na maioria dos casos, as alterações de rota ocorrem, ou após uma crise, ou após uma mudança de governo. Um dos méritos do Plano Real é que alguns dos ajustes se anteciparam aos problemas. A medida de meta contínua de inflação em vez da meta do ano-calendário, oficializada semana passada, é um exemplo.
O Plano Real promoveu uma transformação estrutural irreversível na economia brasileira e criou condições para um desenvolvimento sustentável. Mais que um plano de estabilização criativo e eficiente, foi, e continua sendo, um processo de ajustes ao longo do tempo, em que todos os governos deram sua contribuição.
Há necessidade de mais ajustes para que o país usufrua mais do potencial que o Plano Real propicia. Há também uma agenda de reformas que deve ser retomada. Existem alguns problemas estruturais importantes que devem ser superados — entre os quais, podem ser destacados a tributação das operações financeiras, o controle fiscal, a reforma administrativa e o regime cambial. Um passo de cada vez faz com que o Brasil avance cada vez mais.
*Roberto Luis Troster, Economista
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br