ORLANDO THOMÉ CORDEIRO — Consultor em estratégia
Pesquisando na internet, é possível encontrar notícias como as reproduzidas abaixo:
"Brasil registra 1.463 feminicídios em 2023. Ou seja, cerca de um caso a cada seis horas, representando uma alta de 1,6% em relação a 2022. Em 18 estados, a taxa de feminicídios ficou acima da média nacional, de 1,4 morte para cada 100 mil mulheres. Entre 2015 e 2023, quase 10,7 mil mulheres foram vítimas. Esse é o maior número registrado desde que a lei contra feminicídio foi criada, em 2015, segundo o relatório publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)."
"Atlas da Violência indica que uma mulher sofre violência sexual no país a cada 46 minutos, sendo vítimas mais frequentes as que têm de 10 a 14 anos de idade. Mostra também que mais de 144 mil mulheres foram vítimas de algum tipo de agressão em 2022, sendo os homens os principais agressores."
"Segundo dados da sétima edição do Dossiê: Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2023, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), em 2023, houve 155 mortes de pessoas trans no Brasil, sendo 145 casos de assassinatos e 10 que cometeram suicídio após sofrer violências ou devido à invisibilidade trans. O número de assassinatos aumentou 10,7%, em relação a 2022, quando houve 131 casos."
Essas manchetes revelam crimes bárbaros, mas o impressionante é ver que diversos setores da sociedade brasileira acham isso aceitável. Aliás, é comum vermos manifestações públicas nas redes sociais de pessoas colocando a culpa na vítima, proferindo afirmações do tipo: "Também, quem mandou ela estar vestida assim?", ou "Deus criou o homem e a mulher. O resto é aberração", ou ainda aquela célebre frase "Menina veste rosa e menino veste azul", dita por uma ex-ministra do governo passado.
É um comportamento típico de quem não aceita a diversidade e a liberdade de cada pessoa escolher o que quer ser para viver feliz. Por elas, regras e costumes considerados normais em períodos como, por exemplo, a Idade Média deveriam voltar a prevalecer. Nesse sentido, vale o registro da notícia abaixo:
"O líder supremo do Talibã, Hibatullah Akhundzada, anunciou que o grupo começará a aplicar a sua interpretação da lei sharia no Afeganistão, incluindo a reintrodução da flagelação pública e do apedrejamento de mulheres por adultério. 'Vamos açoitar as mulheres, apedrejá-las até a morte. Vocês podem chamar isso de violação dos direitos das mulheres porque eles entram em conflito com seus princípios democráticos, mas eu represento Alá, e você representa satanás.'"
Os talibãs têm como premissa que mulher é um ser inferior, que deve obediência ao homem. Infelizmente, há muita gente em nosso país que concorda. Não custa nada lembrar que, até 1962, as mulheres casadas só podiam trabalhar fora, abrir conta no banco, ter estabelecimento comercial ou mesmo viajar se o marido permitisse. E a autorização poderia ser revogada a qualquer momento, de acordo com o que previa o Código Civil de 1916. E que, somente em março do ano passado, entrou em vigor a Lei n° 14.443/2022 que dispensa o consentimento do cônjuge para autorizar a laqueadura em mulheres.
Inconformados com esses avanços, aqueles que podemos chamar de os talibãs brasileiros conseguiram aprovar a urgência para a votação do PL 1.904/2024 que equipara aborto após 22 semanas de gravidez ao crime de homicídio, estabelecendo uma pena muito maior para a mulher vítima do estupro do que para o estuprador. Não custa lembrar que, caso aprovado, revogaria legislação vigente desde 1940.
Porém, para surpresa dos apoiadores, a revolta da sociedade e da opinião pública obrigou o presidente da Câmara dos Deputados a adiar a votação e decidir que será criada uma comissão para debater melhor o projeto. E tudo indica que será engavetado.
Entretanto, esses segmentos que tiveram muito apoio governamental no período de 2019 a 2022, não vão simplesmente desistir de suas pautas. A permanente ofensiva contra as mulheres e a população LGBTQIAP precisa ser respondida por quem acredita em uma sociedade apoiada nos princípios do respeito à diversidade e à liberdade de culto, bem como do combate ao racismo e a todas as formas de preconceito.
Hoje, comemoramos o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP . Infelizmente, neste ano, não temos mais a companhia de dois ativistas dessa causa que fizeram a diferença: Jobson Camargo e Eliseu Neto. A eles dedico minha coluna.
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