string(8) "/opiniao"
Saúde

Hemobrás e a nacionalização da produção de hemoderivados e recombinantes

A Hemobrás é uma realidade e representa um conjunto de conquistas importantes para o Brasil. Seguiremos na missão prioritária de produzir medicamentos para melhorar a qualidade de vida da população que depende do SUS

A Hemobrás detém o registro dos medicamentos, e toda a sua produção é fornecida ao Sistema Único de Saúde (SUS), que garante a dispensação e a gratuitamente a milhares de usuários -  (crédito: kleber sales)
A Hemobrás detém o registro dos medicamentos, e toda a sua produção é fornecida ao Sistema Único de Saúde (SUS), que garante a dispensação e a gratuitamente a milhares de usuários - (crédito: kleber sales)

Entre os muitos desafios que encontramos ao assumir a direção da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia, a Hemobrás, um deles é o de apresentar essa indústria de medicamentos, 100% nacional, aos seus verdadeiros donos, o povo brasileiro, já que somos uma estatal federal ligada ao Ministério da Saúde. Sabemos que nosso negócio não é tão fácil de ser compreendido e que o fato de estarmos situados no Nordeste brasileiro, em uma cidade da Zona da Mata Norte de Pernambuco, Goiana, acaba por reforçar um certo distanciamento da grande mídia e da população brasileira.

Não é tarefa fácil explicar em poucas palavras as atividades de uma indústria de alta tecnologia, responsável pela produção de medicamentos ainda pouco conhecidos do grande público e que tem uma forma de produção tão complexa. O que torna ainda mais desafiadora a nossa missão de gerar inovação e fomentar a ciência, a tecnologia e o desenvolvimento social e econômico no Brasil, especificamente em uma área em que, por muitas décadas, a paisagem era tomada pelos canaviais das usinas produtoras de açúcar e que, hoje, abre espaço para a instalação de impressionantes complexos industriais, como o da Hemobrás.

Como está no nome da empresa, nossa linha de produção de medicamentos se divide entre os hemoderivados e os biotecnológicos (ou recombinantes). Os hemoderivados têm como matéria-prima o plasma, que é um dos componentes do sangue humano. Quando fracionado, o plasma se divide em algumas proteínas que, após passarem por processos químicos, se transformam em medicamentos. Atualmente, a Hemobrás produz albumina, imunoglobulina e os fatores de coagulação VIII e IX.

Já os recombinantes são produzidos por meio de processos biotecnológicos. Não necessitam do plasma humano. No caso da Hemobrás, a partir de uma célula de camundongos, utilizamos a tecnologia para reproduzir o fator coagulante VIII recombinante. Ambos, tanto o Fator VIII plasmático quanto o recombinante, permitem que pessoas com hemofilia tipo A façam o tratamento profilático e garantam uma maior qualidade de vida.

Esse seria o escopo básico da produção da Hemobrás, mas ainda há muitas dúvidas que envolvem o trabalho da empresa. Muitos questionam se a Hemobrás já produz esses medicamentos. E a resposta é sim. A Hemobrás detém o registro dos medicamentos, e toda a sua produção é fornecida ao Sistema Único de Saúde (SUS), que garante a dispensação e a gratuitamente a milhares de usuários.

Como é muito comum na indústria farmacêutica, há muitos medicamentos brasileiros que têm parte dos seus processos de produção realizados no exterior. Seja na embalagem, no envase ou na produção do insumo farmacêutico ativo, o IFA, que é a matéria-prima do medicamento. É como, por exemplo, o seu aparelho celular, que é de uma marca japonesa ou norte-americana, mas que tem diversos componentes produzidos em outros países. Atualmente, a Hemobrás está em fase final dos processos de transferência de tecnologia, tanto para os hemoderivados quanto para os recombinantes, o que garantirá que toda a cadeia de produção seja executada integralmente no Brasil.

Uma das fases de produção já realizadas pela Hemobrás, importantíssima para um medicamento hemoderivado, é a coleta do plasma junto aos serviços de hemoterapia públicos (ou hemocentros) e privados. Quando alguém realiza uma doação voluntária, altruísta, em um hemocentro ou serviço privado, uma pequena parte do plasma contido no sangue (cerca de 30%) é utilizada em transfusões e outros tipos de hemoterapia. O restante, chamado de plasma excedente, precisa ser congelado, armazenado e transportado, seguindo rígidos padrões de qualidade industriais, para que, então, siga para a etapa de fracionamento e possa se transformar nos medicamentos.

Hoje, em um país em que menos de 2% da população doa sangue com regularidade, a Hemobrás está próxima de coletar 200 mil litros de plasma excedente por ano. Nos últimos anos, a meta de coleta tem sido continuamente superada e, assim, pretendemos seguir até chegarmos à capacidade máxima das nossas fábricas, de armazenar 500 mil litros de plasma. 

Atualmente, são 59 serviços qualificados pelos nossos auditores. Não é um trabalho simples, ainda depende de uma infraestrutura que muitos hemocentros não dispõem, bem como do compromisso ético e respeito à legislação vigente por parte dos serviços de hemoterapia privados. Mas há ações em curso para o fortalecimento da Hemorrede, como a inclusão de R$ 100 milhões em recursos no PAC para a compra de equipamentos que vão ampliar a possibilidade de armazenamento do plasma excedente que abastece a Hemobrás.

Outra dúvida frequente, muitas vezes alimentada pelo debate ideológico, é se a Hemobrás dá prejuízos ao governo federal, portanto, aos bolsos dos contribuintes. Na verdade, a Hemobrás tem registrado lucro nos últimos anos e repassou dividendos de cerca de R$ 115 milhões ao Tesouro Nacional em 2022 e 2023. A capacidade de investimento da empresa cresceu de R$ 44 milhões para R$ 195,5 milhões de 2022 para 2023, o que reforça nosso perfil de empresa viável e sustentável economicamente. Tudo isso gerando cerca de 700 empregos, entre concursados e terceirizados, com a previsão de abertura de outros 600 postos de trabalho até 2026.

Mais do que isso: a Hemobrás tem o poder de influenciar positivamente a balança comercial, já que, a partir do momento em que estivermos operando com uma produção 100% nacional, fazendo aqui o que hoje ainda precisa ser comprado no exterior, as duas unidades da empresa, a planta de hemoderivados e a planta de biotecnologia, representarão uma economia de R$ 1 bilhão cada. E quando atingirmos esse estágio, o que deve ocorrer até o fim de 2027, será o momento de cruzar uma nova fronteira de desenvolvimento para o país, com a criação de uma cadeia nacional de fornecedores de insumos e equipamentos. Já demos início a essa prospecção, nos cercando de parceiros estratégicos, como a Sudene e a Fiocruz, cumprindo nosso papel de fomentar o desenvolvimento regional.

Por tudo isso, estamos seguros de que a Hemobrás é uma realidade e representa um conjunto de conquistas importantes para o Brasil. Seguiremos em nossa missão prioritária de produzir medicamentos para melhorar a qualidade de vida da população que depende do SUS, mas sempre perseguindo o desafio de levar cidadania para todos os brasileiros.

 *Ana Paula do Rego Menezes, médica e diretora-presidente da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás)

 

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

postado em 25/06/2024 06:00
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação