ARTIGO

Despedidas

Despedir nunca é fácil, mesmo que seja brevemente. Mas a mais dolorosa das despedidas, sem dúvidas, é a da morte. Nem com todas as minhas convicções, eu estabeleci uma boa relação com esse momento

Luto  -  (crédito: Kyoto University)
Luto - (crédito: Kyoto University)

Despedir nunca é fácil, mesmo que seja brevemente. O amigo que vai viajar, o amor que segue para um trabalho prolongado em outra cidade ou o filho que foi estudar fora. Mas a mais dolorosa das despedidas, sem dúvidas, é a da morte. Nem com todas as minhas convicções, eu estabeleci uma boa relação com esse momento. Agora, não é diferente.

Ontem, tive de despedir do Sr. Theophannes Pappas, Sr. Phanne, um segundo pai para mim. Por ele e pela família que representa, eu me tornei meio grega. Cultura e povo, que passei amar ainda mais, algo que vai muito além da minha paixão pela história, mas por uma admiração inigualável pela garra, luta e força de uma gente que preserva o orgulho de ser o que é.

Sr. Phanne se despediu da vida aos 97 anos, lúcido e consciente, enfrentou a Segunda Guerra Mundial, veio para o Brasil, trazendo nas costas literalmente o irmão mais novo, aqui se transformou em empresário. Era o homem que mais entendia de carros importados em Brasília até a década de 1990: a oficina Pappas Veículos se tornou referência na cidade.

Alto, forte e extremamente bonito, era dono de um sorriso e bom-humor únicos. "Meu coração é grego e brasileiro. Não tem como escolher entre um e outro. Amo 'minha' Grécia. Amo 'meu' Brasil", assim ele costumava repetir quando lhe faziam a velha pergunta sobre de qual país gostava mais.

Não havia uma vez sequer que não nos encontrávamos que mil histórias vinham à baila. Por 46 anos, ele fez parte da minha família, e eu, da dele. Nesse meio tempo, houve casamentos, descasamentos, nasceram netos e bisnetos, morreram pessoas queridas... E nós estávamos ali, sempre juntos.  

Sr. Phanne me chamava de "minha filha". O amor dele por mim — e vice-versa — era tão grande que chegava ao cúmulo de conversar em grego comigo. Um pouco de ousadia da minha parte querer travar um diálogo assim...

Ao receber a notícia da sua morte, depois de vencer tantas batalhas, parei o carro e fiz uma oração. Quando abri os olhos, pétalas de flores violetas tinham coberto o parabrisa. Dizem que a cor dos anjos é violeta, tive a certeza ali que Sr. Phanne, com seu imenso coração, foi recebido por eles, assim como pelo João, o filho querido que partiu há quatro décadas, e a Kri, que se foi há 11 meses.

Dona Olga, Tânia, minha amiga-irmã, e Aliki, estou com vocês e agradeço por terem permitido viver ao lado de uns dos homens mais guerreiros e decentes que conheci na vida e me fez sentir parte de uma Grécia tão amada. Por sorte, como diria Mario Quintana, a "vida nos deu tempo de nos encontrarmos e sermos grandes amigos". 

Como a vida não termina, Sr. Phanne, a gente segue por aqui, acreditando que vale a pena desfrutar cada momento, mesmo que não seja lá muito permitido pelos médicos, como um exagero no garfo...

 


Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

postado em 18/06/2024 06:03
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação