Artigo

Riscos ambientais da PEC das Praias

Essa faixa costeira é fundamental na contenção da erosão litorânea e das mudanças climáticas. Elas são partes do patrimônio nacional, devendo ser geridas pelo interesse público

Vista aérea da praia no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro: forte calor obrigou os cariocas a procurarem um refresco no mar. Pelo menos mais cinco estados registraram máximas acima da média       -  (crédito: Tércio Teixeira/AFP)
Vista aérea da praia no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro: forte calor obrigou os cariocas a procurarem um refresco no mar. Pelo menos mais cinco estados registraram máximas acima da média - (crédito: Tércio Teixeira/AFP)

Suzana Raminelli

Doutoranda em biologia marinha pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora do projeto Cavalos do Mar

Manuel Borges

Doutorando em ecologia pela Universidade de Brasília (UnB)


Yara Yoshino

Pesquisadora dos impactos do turismo costeiro na UnB


Eduardo Bessa

Professor da pós-graduação em ecologia da UnB e membro da Rede Biota Cerrado

 

A Proposta de Emenda Constitucional 3/2022, a PEC das Praias, tem sido debatida nos últimos dias, especialmente sob a ótica econômica e social. Gostaríamos de incluir aqui alguns argumentos ambientais a partir de nossa pesquisa em biologia marinha. O objetivo principal dessa PEC é a concessão privada de terrenos de marinha. Há um entendimento de que essa faixa se localize acima de 33 metros da linha d’água, o que exclui as praias. Há outro entendimento que cita que essas áreas vão até onde se faça sentir a influência da maré. Só nessa duplicidade de interpretações, já há margem para conflitos.

Essa faixa costeira é fundamental na contenção da erosão litorânea e das mudanças climáticas. Elas são partes do patrimônio nacional, devendo ser geridas pelo interesse público. Por mais que não privatize praias, a PEC 3/2022 resultará em degradação ambiental, expulsão de pescadores artesanais, dificuldade de acesso à praia e especulação imobiliária.

De fato, a especulação imobiliária é o maior risco ambiental da PEC. Áreas já ocupadas ilegalmente seriam regularizadas, estimulando a grilagem. Residências de comunidades tradicionais, como aldeias de pescadores, também teriam títulos particulares, podendo ser vendidos a especuladores imobiliários de maior poderio econômico.

A urbanização da faixa litorânea levaria à perda do manguezal e da restinga, importantes para a regulação de processos ecológicos marinhos e terrestres. Essas vegetações já foram muito desmatadas ao longo da história brasileira. A restinga presta serviços ecossistêmicos de contenção do solo, barra a entrada de poluentes no mar e regula o clima. 

Os manguezais são fundamentais para a ciclagem de nutrientes, servem de berçário natural e preservam a linha costeira. Espécies de interesse econômico vivem pelo menos parte de seu ciclo de vida nos manguezais, como robalos e cavalos-marinhos, com interesse gastronômico e ornamental, respectivamente.

Nosso grupo de pesquisa já mostrou no Ceará como a urbanização organizada e sustentável fora d’água afeta a fauna dentro do mar, como nos peixes. Uma praia intensamente urbanizada apresentou 21 espécies de peixes, enquanto outra praia menos urbanizada abrigou o dobro.

Defensores da PEC apontam as vantagens econômicas do turismo costeiro. Estudos de nosso grupo demonstram os impactos ambientais do turismo de massa e a importância das áreas preservadas e do turismo de base comunitária, livre de conglomerados empresariais, para distribuir recursos de modo justo e perene.

A PEC, criada em 2011, foi aprovada na Câmara dos Deputados em 2022 e, agora, tramita no Senado, mas ainda não passou pela Comissão de Meio Ambiente de nenhuma das casas legislativas até o momento. Apesar do governo federal se posicionar contrário, parlamentares de sua base já votaram a seu favor na Câmara. 

O fervoroso debate acerca dessa proposta de emenda à constituição traz à tona a opinião pública sobre o assunto, mas não deve desviar o foco do tema em questão. Em audiência pública em 27 de maio, representantes de associações de pescadores e até do órgão responsável por demarcar os terrenos de marinha se posicionaram contra a PEC. E o painel de opinião popular do site do Senado registrava, em 6 de junho, 98,6% contrários à proposta. 

Apesar disso, a votação na Câmara mostra um panorama diferente, com a PEC apoiada por mais de 75% dos votos em 2022. Essa desconexão evidencia o conflito de representação parlamentar.  O relator da proposta, senador Flávio Bolsonaro, se mostrou inclinado a esclarecer que a faixa de areia não será privatizada e que a transmissão dos títulos de posse será regulada.

Apesar disso, os pontos ambientalmente mais sensíveis da proposta não devem ser tocados. A seguir, o texto deverá ser votado no plenário do Senado e, apesar do presidente Rodrigo Pacheco prometer refrear a pressa que assolou essa tramitação desde 2022, isso não pode resultar em relaxamento da pressão pública. 

Enquanto pesquisadores da biologia marinha, nos colocamos contra a PEC 3/2022 devido ao seu impacto sobre os ambientes de transição entre continente e oceano, com imenso potencial prejudicial decorrente da intensificação da pressão imobiliária e turística. Os senadores devem representar a população e as partes mais interessadas, não lobistas. Recentes eventos ambientais têm enfatizado a importância de endurecer a legislação ambiental, não de afrouxar. É preciso estar atento e forte!

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postado em 16/06/2024 11:05
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