Luiz Felipe de Campos-Lobato*
A última semana foi marcada pela Marcha do Orgulho Trans e pela Parada do Orgulho LGBT , eventos que celebram a diversidade e a busca por igualdade de direitos para essas populações. De acordo com uma pesquisa de 2021 da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (FMB/Unesp), cerca de 2% da população adulta brasileira, aproximadamente 3 milhões de pessoas, se consideram transgêneros ou não binária. Isso significa que uma em cada 50 pessoas no Brasil é trans ou não binária, um percentual significativo da população brasileira.
Certamente, todos conhecemos alguém que é trans ou não binário. A Constituição Federal de 1988 definiu, em seu artigo 196, que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Tendo isso em mente, precisamos repensar urgentemente nossas campanhas de prevenção ao câncer, especificamente os mais prevalentes entre homens e mulheres no Brasil: o câncer de próstata e o de mama.
A população brasileira reconhece o Outubro Rosa. Durante o 10º mês do ano, os prédios se iluminam de rosa, e campanhas na tevê e em outdoors pelas cidades são estreladas por mulheres, chamando a atenção para a necessidade da realização do autoexame e da mamografia. No mês seguinte, é hora das cidades se iluminarem de azul. Nas tevês, veremos debates sobre a importância de os homens deixarem de lado seu preconceito e irem ao urologista para a prevenção do câncer de próstata.
Certamente, muitas vidas já foram salvas por essas campanhas de prevenção dos tipos de câncer mais comuns em mulheres e homens. Algo extremamente louvável e que necessita ser continuado. Porém, precisa ser ampliado e modificado. Se olharmos com atenção, perceberemos que essas campanhas são exclusivamente direcionadas a homens e mulheres heterossexuais. Ou seja, ao menos 3 milhões de brasileiros que se identificam como trans ou não binários estão completamente excluídos delas.
Mulheres trans também têm próstata e necessitam realizar a prevenção do câncer, assim como os homens heterossexuais que são alvos da campanha. Segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia, homens trans que passam por mastectomia não eliminam completamente o risco de câncer de mama, pois ainda podem haver tecidos mamários remanescentes que podem se transformar em câncer. Além disso, mulheres trans que fazem uso de hormônios de afirmação de gênero têm risco aumentado de desenvolver câncer de mama devido ao estrogênio.
A exclusão dessa população das campanhas de prevenção dos cânceres de próstata e mama causa impactos que não se restringem apenas à comunidade trans e não binária, mas atinge toda a população brasileira. Afinal, o custo do tratamento de pessoas com câncer avançado é infinitamente maior do que o custo de campanhas inclusivas e bem direcionadas. E o direito à saúde é cláusula pétrea da nossa Constituição. Portanto, é indiscutível que as campanhas de prevenção ao câncer precisam ser reformuladas para incluir todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero. Isso pode envolver a criação de materiais específicos para a população trans, treinamentos para profissionais de saúde sobre as particularidades dessa população e campanhas públicas que abordem diretamente esses grupos.
Neste momento de visibilidade e celebração da diversidade, a Parada do Orgulho LGBT e a Marcha do Orgulho Trans nos lembram da importância de uma sociedade mais inclusiva e atenta às necessidades de todos os seus cidadãos. A saúde é um direito universal, e temos a responsabilidade de garantir que ninguém seja deixado para trás.
*Cirurgião coloproctologista e professor-adjunto de cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB)
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