ARTIGO

Objetivos de desenvolvimento resiliente

A complexidade crescente das crises climáticas, econômicas e sociais exige uma abordagem que integre de maneira explícita e objetiva a sustentabilidade com os princípios de resiliência

PRI-0906-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-0906-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

Por décadas, o conceito de resiliência tem sido usado em diferentes disciplinas para descrever características que tornam sistemas robustos frente a vários tipos de estresse. Sua origem pode ser traçada até a física, onde é empregado para descrever propriedades materiais, em especial a elasticidade, ou a capacidade de um material retornar ao seu estado original após a remoção de uma força deformadora.

A partir da física, o conceito de resiliência foi adotado por outras disciplinas. Na ecologia, refere-se à capacidade de um ecossistema de recuperar-se após uma perturbação, como um incêndio ou uma tempestade. Na psicologia, descreve a capacidade dos indivíduos de se recuperarem de adversidades e estresses emocionais. Nas ciências sociais e na economia, descreve a capacidade de comunidades e economias de resistirem e se recuperarem de choques, desastres e crises sociais.

Hoje, a resiliência é um conceito interdisciplinar amplamente utilizado para entender e melhorar a capacidade de sistemas naturais, sociais e econômicos de lidar com incertezas e mudanças. A evolução do conceito destaca a importância da resiliência como um princípio central na busca por sustentabilidade, adaptação e robustez em um mundo cada vez mais incerto e complexo.

Apesar da resiliência ser um conceito dominante em disciplinas como engenharia, psicologia, ciência dos materiais, ecologia, empreendedorismo e ciências empresariais, sua aplicabilidade em outros setores críticos para a sociedade — como a saúde — ainda é limitada. Isso deveria mudar em função da pandemia de covid-19, que explicitou enormes fragilidades nos sistemas de saúde, até mesmo em nações ricas.

É também de suma importância que se busquem modelos de cidades resilientes, capazes de responder eficazmente a desastres naturais e eventos imprevisíveis, que estão se tornando cada vez mais frequentes. Com o aumento da urbanização e das mudanças climáticas, as cidades enfrentam desafios crescentes relacionados a tempestades e enchentes — como vemos, de forma trágica, no Rio Grande do Sul —, além de ilhas de calor urbano, instabilidade de encostas e proliferação de assentamentos informais vulneráveis.

A implementação de estratégias de resiliência urbana, como infraestrutura verde, planejamento urbano sustentável, sistemas de alerta precoce e planos de evacuação eficazes, pode ajudar as cidades a se prepararem e se adaptarem a situações de crise de forma mais eficiente, protegendo vidas, propriedades e infraestruturas vitais. Investir em cidades resilientes não apenas melhora a capacidade de resposta a eventos adversos, mas também promove a sustentabilidade, a qualidade de vida e a prosperidade a longo prazo para os habitantes urbanos.

A bioeconomia apresenta um enorme potencial para incorporar o princípio da resiliência, trazendo benefícios significativos para a sociedade. Ao utilizar recursos renováveis e promover práticas sustentáveis, a bioeconomia pode emergir como alicerce para um modelo de desenvolvimento mais seguro, limpo e previsível no futuro. Essa abordagem não apenas reduz a dependência de recursos fósseis, mas também fomenta a circularidade, a inovação tecnológica verde e a capacidade de adaptação da sociedade a desafios ambientais e econômicos emergentes.

À semelhança dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), lançados em 2015, o mundo talvez esteja sendo desafiado a considerar uma agenda de objetivos de desenvolvimento resiliente para o futuro. Tal agenda proporcionaria uma estrutura clara e acionável para governos, empresas e comunidades trabalharem juntos na construção de um mundo mais preparado, onde a resiliência se torne elemento de promoção do bem-estar e da prosperidade global.

O fato é que a complexidade crescente das crises climáticas, econômicas e sociais exige uma abordagem que integre de maneira explícita e objetiva a sustentabilidade com os princípios de resiliência. Isso permitirá que as comunidades não apenas resistam e se recuperem, mas também se adaptem e transformem em resposta às adversidades. Por exemplo, cidades e comunidades que enfrentam desastres recorrentes, como enchentes e secas severas, precisarão não apenas ser recuperadas, mas reinventadas para uma adaptação mais eficaz à nova realidade climática.

Uma agenda de desenvolvimento resiliente forneceria não apenas uma estrutura estratégica para reforçar a capacidade dos sistemas humanos e naturais de enfrentar incertezas e choques, mas também promoveria uma visão de longo prazo para assegurar a continuidade e a prosperidade das futuras gerações. Incorporar a resiliência em todas as dimensões do desenvolvimento socioeconômico e ambiental é essencial para construir um futuro mais seguro e adaptável. Dessa forma, estaremos não apenas reagindo às crises, mas também antecipando e moldando um mundo em que sociedades mais fortes e ecossistemas saudáveis prosperem em harmonia.

 


Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

Maurício Antônio Lopes - Pesquisador da Embrapa Agroenergia - Opinião
postado em 09/06/2024 06:00 / atualizado em 09/06/2024 06:00
x