Artigo

Mudança dos ventos

As guerras de Israel versus palestinos e de russos contra ucranianos, que seriam questões localizadas e regionais, mostraram sua capacidade de influenciar a política e a economia no resto do mundo

Os Estados Unidos e seus aliados europeus também estão fazendo grandes lucros na venda de armas e munições para a Ucrânia -  (crédito: Maurenilson Freire)
Os Estados Unidos e seus aliados europeus também estão fazendo grandes lucros na venda de armas e munições para a Ucrânia - (crédito: Maurenilson Freire)

As guerras de Israel versus palestinos e de russos contra ucranianos, que seriam questões localizadas e regionais, mostraram sua capacidade de influenciar a política e a economia no resto do mundo. De repente, o Brasil descobriu ser dependente de fertilizantes ucranianos, que poderiam ser substituídos por equivalentes russos. Além disso, a Rússia, um dos maiores produtores de gás e petróleo do mundo, para fugir dos bloqueios econômicos promovidos pelo governo dos Estados Unidos, passou a vender seu combustível por preço abaixo do praticado no mercado internacional. Competição pesada. As consequências vêm depois, ensinou o Conselheiro Acácio, magistral personagem criado por Eça de Queiroz em O primo Basílio. O Brasil multiplicou várias vezes suas importações da Rússia. E a China passou a ser o principal comprador daquele mercado. O gigante asiático colocou os russos debaixo do braço e, juntos, estão fazendo pressão contra a hegemonia norte-americana. Irã e Coreia do Norte realizam bom dinheiro vendendo armas para a Rússia na sua guerra. Novos parceiros internacionais.

Os Estados Unidos e seus aliados europeus também estão fazendo grandes lucros na venda de armas e munições para a Ucrânia. O governo da Dinamarca autorizou a utilização de seus poderosos F-16 em ataques dentro da Rússia, o que empurra a guerra para mais perto de Moscou, que errou muito no seu planejamento estratégico. Ao contrário do que previra seu Estado Maior, mais países limítrofes aderiram à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), como Finlândia e Suécia. Dois blocos estão surgindo: Rússia e China de um lado versus Estados Unidos e seus aliados europeus. É uma disputa que não admite previsões.

Os chineses não se mostram muito preocupados com o aumento do nível de tensão. Estão preparados para invadir o mundo ocidental com seus poderosos artefatos de alta tecnologia. Eles, agora, pretendem inundar o mercado com veículos elétricos bem desenhados, de alta performance e preço baixo. Os norte-americanos já responderam aumentando em quatro vezes as tarifas de importação. O objetivo é tirar os chineses do mercado. Em outros tempos, essa concorrência era chamada de livre mercado pelos norte-americanos. Hoje, é considerada ato predatório.

O cenário externo é complicado. O interno, também.  Desde tempos recentes, o agronegócio tem sido o principal negócio da atividade econômica brasileira. Esse fato tem repercussões no futebol — ninguém poderia imaginar que o Cuiabá, um time de Mato Grosso, estivesse na primeira divisão —, na música — o sertanejo domina a cena musical —, e na política — o Congresso Nacional tornou-se majoritariamente conservador. 

O agronegócio negocia em dólar nas principais Bolsas de Valores do mundo. Seus dirigentes precisam de mercado livre, fartos financiamentos para manter grandes safras e acesso fácil ao mercado internacional. Eles já sustentam grandes bancadas no Congresso Nacional. O dinheiro está nesse segmento. Não é por acaso que uma das principais revendedoras de carros esporte alemães esteja em Goiânia, onde o hospital Albert Einstein abriu uma sucursal e Claude Troigros acaba de inaugurar um restaurante.

Esse conjunto de circunstâncias auxilia a entender o que aconteceu, semana passada, no Parlamento. O governo Lula foi largamente derrotado na votação do veto da chamada saidinha de presidiários e na tipificação de crimes em mensagens que disseminem informações falsas, as fake news. Foram derrotas importantes porque as bancadas mostraram plena autonomia. O União Brasil, que detém três ministérios, votou contra o governo. O PSD, também com três ministérios, votou contra. Republicanos, que mandam em um ministério, votou majoritariamente contra. Até Maria do Rosário, petista raiz, aquela que brigou com Bolsonaro, agora candidata à Prefeitura de Porto Alegre, votou contra. 

A eleição para prefeitos está perigosamente perto. Os assuntos locais determinam o comportamento dos políticos. Eles percebem que a população quer maior ação policial. E teme que o governo faça censura nas redes sociais. É o que os parlamentares ouvem nas ruas e reproduzem nos seus votos no Parlamento. O governo federal não dispõe de recursos para reverter essa situação. Além disso, o governo Lula e sua assessoria petista estão solidamente plantados em algum momento dos anos 1970. Eles advogam a intervenção do Estado na economia e desconhecem as consequências da globalização nas relações de troca no mundo. Mas um novo ciclo se anuncia. Na África do Sul, o partido chamado Congresso Nacional Africano, a legenda de Nelson Mandela, perdeu a eleição majoritária. Seus dirigentes foram incapazes de perceber a mudança dos ventos na política e na economia.

*ANDRÉ GUSTAVO STUMPF — Jornalista 

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

postado em 03/06/2024 06:00
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação