Paulo Paim*
Há uma frase do filósofo Aristóteles que expressa profundamente uma verdade: "Devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade".
Historicamente, aqui no Brasil, os indígenas, o povo negro, incluindo os quilombolas, pobres e vulneráveis, sempre foram discriminados, suas oportunidades de vida sempre foram desiguais e, sublinho, continuam sendo díspares. Mas se o caminho se faz caminhando, a nossa constância é caminhar todos juntos e cotidianamente, buscando justiça em todos os níveis da cidadania.
Quase 56% da população brasileira é composta por pessoas negras (pretos e pardos), o que corresponde a 113 milhões de pessoas. A grande maioria vive em moradias precárias, sem acesso aos direitos básicos da dignidade humana, como água tratada e coleta de esgoto. Mais de 70% dos jovens que abandonam a escola são negros e pobres. Cerca de 80% dos mortos pela polícia hoje no país são pessoas negras.
Os quilombolas enfrentam vários problemas — entre eles, a urgência da titulação de suas terras. Falta água potável nessas comunidades. Eles necessitam de emprego e renda e escolas para as crianças e jovens. Muitos desses remanescentes passam fome. O povo indígena é massacrado há séculos, roubam suas terras, matam seus líderes, queimam suas propriedades, mulheres e crianças morrem por desnutrição e doenças devido à negligência do Estado brasileiro. Eles clamam por justiça e exigem que suas terras sejam demarcadas.
E aqui recorro também a algumas palavras do escritor francês Émile Zola: "Se você calar a verdade e enterrá-la, ela permanecerá lá". Mas podem ter certeza de que, um dia, ela germinará, como em seu romance Germinal, obra clássica da literatura. A verdade brotará e virá à tona para mostrar que é preciso resistir sempre e agir com sabedoria e equilíbrio.
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal aprovou recentemente o Projeto de Lei nº 1.958, de 2021, de nossa autoria, referente à renovação da lei de cotas no serviço público. O projeto foi aprimorado, sob a relatoria do senador Humberto Costa. Na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, o projeto teve relatoria do senador Fabiano Contarato, sendo relator ad hoc o senador Flávio Arns. Como foi modificado no Senado, o projeto retornou à Câmara dos Deputados para novo exame.
O projeto prorroga a lei de cotas por 10 anos e reserva para pessoas negras, indígenas e quilombolas 30% das vagas disponíveis em concursos públicos e processos seletivos simplificados de órgãos públicos, sempre que forem ofertadas duas ou mais vagas. Quando esse cálculo resultar em números fracionários, haverá arredondamento para cima se o valor fracionário for igual ou superior a 0,5, e para baixo nos demais casos. Quem se inscrever em concursos para pleitear vagas reservadas também disputa simultaneamente as vagas de ampla concorrência.
As cotas são fundamentais para as políticas afirmativas, que consistem em medidas para combater a discriminação e o preconceito e promover a igualdade de oportunidades para grupos marginalizados ou desfavorecidos. Sendo o Brasil um país extremamente desigual, com um racismo estrutural enraizado profundamente, a medida é muito oportuna. Essa é uma luta de brancos, negros, indígenas, homens, mulheres, da juventude brasileira, de quilombolas, pardos, pobres, LGBTQIA+, pessoas com deficiência, classe média e de todos os brasileiros.
As cotas criam condições mais justas para que todos os membros da sociedade tenham acesso igualitário a oportunidades e recursos, promovendo, assim, a inclusão social. Ouso ir além em dizer, em expor os meus sentimentos que as cotas são fontes universais, como o Sol que espelha sua luz, erguendo faróis de justiça e pedras densas e lapidadas em todos os seus ângulos de fraternidade e humanidade.
Nós construímos o nosso tempo, os nossos caminhos, o nosso jeito de caminhar, os nossos sonhos e nossas utopias sem jamais perdermos a essência da nossa brasilidade, pois é aí que se encontra o segredo da vida... O fácil fizemos ontem, o que é possível realizamos hoje, e o que parece impossível alcançaremos amanhã.
*Senador da República (PT-RS)
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