Erro trágico. Assim Benjamin Netanyahu conceituou a morte de 45 civis palestinos em um ataque brutal contra um acampamento de deslocados internamente em Rafah, no sul da Faixa de Gaza. Os vídeos que surgiram logo depois do bombardeio são dantescos. Mostram seres humanos queimados vivos, bebês decapitados, o fogo se alastrando pelas barracas. No momento em que escrevo este texto, Israel acaba de realizar novo bombardeio a deslocados, matando ao menos 21. A régua do primeiro-ministro israelense e de seu governo de extrema direita é o massacre de 7 de outubro de 2023. Horrível, absurdo, deplorável, hediondo. Eu mesmo fui convidado pela Embaixada de Israel a assistir 40 minutos de morticínio, registrados pelas câmeras corporais dos terroristas do Hamas e pelo circuito de segurança. Naquela ensolarada manhã de sábado maculada pelo terrorismo, mais de 1,1 mil israelenses foram assassinados brutalmente. Nada justifica tamanha atrocidade. Depois daquele fim de semana, em 234 dias de guerra, Israel matou cerca de 36 mil palestinos. Gerações inteiras foram interrompidas para sempre. Crianças condenadas à orfandade. Mulheres sentenciadas à viuvez. Nada também justifica algo assim.
Israel sempre se remete ao 7 de outubro para alegar o pleno direito de defesa. O que é se defender? Atacar, de forma impiedosa, homens e mulheres inocentes? Cometer crimes sob a suposta legitimidade de uma operação militar? Usar tanques de guerra, caças e lança-foguetes contra a população desarmada? Achar-se nobre por avisar aos moradores que determinada área é zona de guerra, e, pouco depois, arremessar bombas e mísseis sobre as casas, abandonadas ou não? Ignorar os apelos da comunidade internacional, talvez na esperança de obter a destruição do Hamas e a consolidação de um líder que falhou miseravelmente ao não evitar o massacre de 7 de outubro?
A matança em Rafah não é um erro trágico. É um crime hediondo. Erro trágico é fazer-se surdo ante as instâncias do direito internacional, ante os reiterados apelos de vários países pelo fim do conflito. Erro trágico é acreditar que se está acima do bem e do mal apenas por gozar do apoio de poderosos. E perder toda a noção do que é ético, legal e moral em uma guerra. Erro trágico é não calcular que o ódio planta ódio. E que, provavelmente, uma geração de recrutas do Hamas e da Jihad Islâmica estará sedenta de vingança e perpetuará o ciclo de violência no Oriente Médio, talvez por décadas. Erro trágico é acreditar que sua própria população terá segurança com a ditadura das armas.
Não fosse a coalizão de ultraconservadores e radicais, Netanyahu estaria deposto e teria que responder criminalmente por uma série de tragédias, a começar pelo massacre de 7 de outubro. Era responsabilidade dele e de seu aparato de inteligência garantir o bem-estar e a segurança dos israelenses. Era sua obrigação desmantelar complôs terroristas antes que fossem colocados em prática. De que valem os drones barulhentos que sobrevoam a Faixa de Gaza se não conseguem detectar paragliders? De que valem a famosa Mossad e o Shin Bet se não agem para evitar um assassinato em massa? Espero que a comunidade internacional abra os olhos e exija o fim dessa loucura. Uma coisa é certa: Netanyahu entrará para a história da forma mais sombria.