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Maio Negro: a abolição da escravatura e a falta de motivos para comemorar

Quando analisamos esse movimento tão importante para a representatividade negra, nos deparamos com uma série de preconceitos arraigados que emergem à cada esquina, como marcas e reflexos de tempos dolorosos

» Juliana Kaiser, Professora, fundadora da Trilhas de Impacto e trabalha pela diversidade na prática

Neste ano, celebramos 136 anos de um movimento importante para a história dos negros no Brasil. Oficializada em 13 de maio de 1888, por meio da Lei Áurea, a abolição da escravatura trouxe avanço à exploração de nossos ancestrais, vítimas de um regime supremacista, dominado por brancos no período do império. E, quando analisamos esse movimento tão importante para a representatividade negra, nos deparamos com uma série de preconceitos arraigados que emergem a cada esquina, como marcas e reflexos de tempos dolorosos.

A data promove em nós, que pagamos todos os dias um preço por carregar esse DNA, verdadeira reflexão sobre as marcas deixadas por esse modelo, fazendo com que nos questionemos sobre qual é, de fato, o legado deixado por nossos antepassados e a falta de motivos para comemorar a data. Isso se justifica pelos inúmeros casos de racismo, de falas que inferiorizam nossa existência e espaços que perpetuam as atitudes supremacistas, que põem os negros num papel de subserviência, enquanto brancos figuram como grandes líderes, donos de impérios e reproduzem a sociedade que nos submeteu a um regime patriarcal, sem direitos e limitado ao sofrimento.

Com o passar dos anos, abrimos os nossos olhos para reparar e questionar uma série de injustiças históricas que perpetuam a desigualdade existente, todos os dias, na vivência dos negros em todo o Brasil. Quem vive principalmente em áreas periféricas, sem acesso a direitos, educação de qualidade e informação, é quem mais sofre com os atos, que em boa parte dos casos colocam um velado e sonoro "cale-se" em nossas bocas.

Refletir sobre as marcas da escravidão que permanecem nos dias atuais é uma missão intrínseca às pessoas negras. A visão branca diz que o movimento de dar fim ao regime escravocrata deveria ser um motivo de celebração, reduzindo as nossas dores, as brutalidades na prática e a falta de humanidade. Entretanto, com mais de um século deste movimento, percebemos que falta a inclusão social, a reparação dos danos e um movimento avesso à marginalização, na luta contra a discriminação e violência contra a população negra. O que deveria ser avanço ainda persiste em perpetuar o retrocesso, como se voltássemos diariamente a ser laçados pelos senhores de engenho, que tentam ser os donos de nossos corpos, atos, passos, olhares e falas.

Vale destacar que a abolição não foi um ato de benevolência dos brancos e da elite, que insiste em reverberar esse mito como um gesto bondoso. Havia uma necessidade de configurar rapidamente um mercado consumidor, e o trabalho não remunerado não contribuía para isso. Esse sistema, além de incoerente e desrespeitoso, não contemplou um processo que buscasse reparação dos danos, igualdade, justiça e oportunidades de fato. Com a abolição, o Estado ausentou-se e não foram criadas Políticas Públicas para a população liberta.

Ainda hoje, os negros lutam pela melhoria dos salários, pela redução da pobreza, qualidade no acesso à educação e saúde, sem contar a justiça social, a busca pela cidadania e representatividade em amplos nichos, inclusive em suas carreiras, que são os que permitem a eles — ou deveriam permitir — prosperar.

É urgente que o mundo repense a verdadeira importância dessa data, que merece e exige um confronto direto com a realidade do passado e suas consequências no presente, provocando a reflexão sobre a luta pela igualdade e o reconhecimento das injustiças. Só assim podemos provocar mudanças diante das injustiças e modificar as estruturas sociais, culturais e bater de frente contra o racismo e a discriminação. Ainda há uma longa jornada de reparação histórica dos danos causados pela ausência do Estado por mais de 300 anos.

O movimento precisa sair do discurso e ir para a prática com um comprometimento real: que tal transformar esse Maio Negro e agir buscando por políticas públicas, por discussões que construam um novo mundo e que possam nos dar chances reais de sermos iguais a todos os outros que vivem em um mundo tão diverso, mas, ao mesmo tempo, tão limitado?

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