O Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, inaugurou na última sexta-feira a exposição Línguas Africanas que fazem o Brasil. Trata-se de uma mostra da inestimável contribuição dos negros no idioma adotado pelo país que, durante a colonização portuguesa, foi o destino de mais de 4,5 milhões de escravos africanos ao longo de praticamente quatro séculos.
No Brasil, o legado dos negros contribuiu de forma permanente para o que os pesquisadores chamam de africanização do português e de aportuguesamento do africano, para citar os conceitos da etnolinguista baiana Yeda Pessoa de Castro. Faz parte da gênese brasileira essa miscigenação sociocultural, que se expandiu não apenas na cor da pele ao longo das gerações, mas também na linguagem, na religião, na música, na culinária e em tantas outras manifestações que caracterizam a nossa nação.
"Essa exposição é focada na presença das línguas africanas no português escrito, pensado e vivido no Brasil. Muito mais do que influências, essas línguas são constituição de como a gente pensa, do que a gente fala, como a gente escreve", explica o músico e filósofo Tiganá Santana, curador da mostra, em entrevista à Agência Brasil. "Isso já deveria ter chegado há muito tempo e em vários lugares do Brasil", defende.
Reconhecer e valorizar a inestimável contribuição dos negros no idioma brasileiro é passo fundamental na longa caminhada de reparação a essa população incorporada ao país sob o jugo da violência. Neste mês de maio, o Brasil relembrou os 136 anos da Lei Áurea, norma que oficialmente declarou a abolição da escravatura. Apesar da letra fria da lei, permanece a dívida social em relação àqueles que deram a vida para a formação do país e não tiveram o devido reconhecimento.
Para ficarmos restritos apenas ao tema da língua portuguesa, os negros representam a segunda parcela da população com maiores taxas de analfabetismo no Brasil. Segundo dados divulgados este mês pelo IBGE, o iletramento entre negros e pardos chega a 10,1% e 8,8%, respectivamente. Os indígenas são a parcela populacional mais atingida, com taxa de 16,1%. O analfabetismo entre os negros é mais de duas vezes maior do que entre a população branca, cujo índice atingiu 4,3%, ainda de acordo com o IBGE. A boa notícia é que, em 2022, o Brasil avançou nos índices de alfabetização em todos os grupos sociais.
O acesso à educação é condição primária para que negros alcancem a cidadania, mas o desafio vai muito além. O reconhecimento e a perpetuação do legado afro-brasileiro são ações imprescritíveis para o fortalecimento da identidade nacional. São candentes, por exemplo, os debates sobre uma revisão histórica dos negros nos livros didáticos.
Da mesma forma, observa-se um esforço da Academia Brasileira de Letras — cujo patrono, Machado de Assis, era negro — em espelhar a diversidade racial na casa que simboliza a cultura brasileira. Atualmente, Gilberto Gil e Domício Proença Filho são os únicos negros entre os imortais do Olimpo da literatura nacional.
Por essas e outras razões, merecem louvor iniciativas que ressaltem a importância do negro na sociedade brasileira, como a que está em cartaz no Museu da Língua Portuguesa.