ARTIGO

RS: entre a desinformação e uma nova lei para plataformas digitais

Será urgente que órgãos de aplicação das leis, em colaboração com tribunais e auxiliares da Justiça e Poder Executivo, caminhem com medidas para recuperação da integridade da informação no ambiente digital e proteção da integridade das vítimas

» Fabrício B Pasquot Polido, Advogado, professor-associado de direito internacional, direito comparado e novas tecnologias da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Plataformas digitais, como as redes sociais, têm sido palco de produção e disseminação de notícias falsas sobre as chuvas no Rio Grande do Sul (RS) e negacionismo climático, aproveitando a desordem e a incerteza para ampliar os rumos da catástrofe. Não comovidas ou sensibilizadas com a real tragédia humanitária vivenciadas pelas vítimas e famílias afetadas, as campanhas de desinformação buscam principalmente desacreditar instituições públicas. Aproveitam-se do ambiente digital para divulgar a existência de supostas medidas autoritárias levadas a cabo por governos estadual e federal, inércia do Exército e promoção de críticas políticas diante da crise que se instalou nas cidades gaúchas, nas últimas semanas. 

De outro lado, comprometidos pesquisadores de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) brasileiros já identificaram o padrão nessas fake news. Eles destacam que a maioria envolve discussões políticas, factoides e acusações contra autoridades governamentais. Nesse sentido, o objetivo da ofensiva desinformativa é o de, deliberadamente, manipular a opinião pública, colocar em xeque a aplicação das leis e a credibilidade das instituições, além de fazer com que seja mais difícil — e isso parece ser o mais perverso —  a tomada de decisões pelas próprias famílias afetadas. A máquina da inverdade alimenta a insegurança e coloca em risco a integridade física, psíquica e mesmo financeira dos vulneráveis, que deixam, muitas vezes, de seguir para locais mais seguros que possam dar-lhes abrigo e restabelecer suas vidas.  

Influenciadores midiáticos também estiveram no palco do que poderíamos chamar de atrocidades digitais. Em 7 de maio, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) enviou um ofício ao Ministério da Justiça e Segurança Pública para requerer a investigação de perfis e contas em redes sociais que propagam informações falsas sobre as operações de resgate no RS. Em resposta, em 10 de maio, o Ministério da Justiça requisitou à Polícia Federal que investigasse as informações disseminadas nas redes sociais. O inquérito sobre o assunto no Supremo Tribunal Federal (STF) está sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia e permanece em sigilo, o que parece abrir mais uma trincheira para ataques ao nosso STF, que apareceria não como guardião da Constituição, mas como "algoz" da liberdade da expressão, na visão de extremistas on-line e plataformas digitais. No fundo, tudo mais uma grande falácia jogada para a plateia de uma cínica ignorância. 

Por esses e tantos absurdos, a desinformação e a polarização política à la carte no Brasil não deixam de ser ecoados internacionalmente. Especialistas destacam a onda de negacionismo sobre a emergência climática por parte de grupos brasileiros, que chegam a culpar governos e instituições científicas por "tragédias planejadas" ou orquestradas. Em debates sobre mudanças climáticas, aquecimento global, o exemplo brasileiro é destacado para alertar sobre a gravidade dos problemas e como as campanhas desinformativas minam todos os esforços para combatê-lo. Para os que não se convenceram, experimentamos o pior paradoxo da "sociedade do desconhecimento" de nossos tempos, na provocação feita a partir das obras dos filósofos Gonçal Mayos e Daniel Innerarity. 

As redes sociais, por sua vez, têm desempenhado um papel crucial na mobilização de voluntários e na arrecadação de donativos para as vítimas do desastre humanitário no RS. No entanto, são elas também o veículo e terreno fértil para a produção e propagação de fake news. Várias questões até aqui pressionarão as plataformas digitais a revisar suas políticas de moderação de conteúdo, além de prioridades adiante. Soluções propostas já incluem parcerias com agências de verificação de fatos para identificar e desmentir rapidamente informações falsas, além da priorização de conteúdos provenientes de fontes confiáveis, como organizações humanitárias e governamentais. 

Evidentemente, tudo isso importa, mas será urgente que órgãos de aplicação das leis, como Ministério Público e Polícia Federal, em colaboração com tribunais e auxiliares da Justiça e Poder Executivo, caminhem com medidas emergenciais institucionais e legais para recuperação da integridade da informação no ambiente digital e proteção da integridade das vítimas. Curiosamente, isso ainda passa pelo recurso a instrumentos legais no direito brasileiro, como a Constituição, tratados e convenções de que o Brasil é parte e o próprio Marco Civil da Internet, celebrando seus 10 anos de vigência. 

Por isso mesmo, não bastaria a criação de um canal direto de comunicação entre governo e plataformas para notificar e remover conteúdos falsos ou a rotulagem de publicações desinformativas. Isso porque vítimas e afetados no Rio Grande do Sul, hoje, já são triplamente vulneráveis no percurso da tragédia ocorrida: vulneráveis do ponto de vista físico, psíquico e digital. Parece ser crucial, a esta altura, elevar o nível do debate e das ações institucionais para que elas estejam presentes nos trabalhos do Congresso Nacional em uma nova diretriz (se houver?) de regulamentação das plataformas digitais.

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