O IBGE lançou, neste mês, os dados de analfabetismo adulto do Censo Demográfico 2022, que indicam que 7% da população brasileira com 15 anos ou mais não sabe ler e escrever um bilhete simples, o que representa um montante de 11,4 milhões de pessoas. Com razão, esses números tiveram grande repercussão e diversas reportagens cobraram posicionamentos dos secretários de Educação das localidades com os maiores índices. Nesse sentido, é preciso um passo atrás e entender (ou lembrar) que os dados de analfabetismo adulto do IBGE não refletem o cenário de alfabetização do país nem os esforços atuais dos Estados nessa área.
Os índices recém-lançados mostram o resultado de um processo histórico e do acúmulo de vulnerabilidades ao longo do tempo em determinadas regiões. São importantes, sim. Mas, para a discussão de alfabetização especificamente, há outros dados mais apropriados a serem observados.
O Nordeste, por exemplo, tem o pior índice de analfabetismo dentre as regiões do país: 14,2%, o dobro da média nacional. No ranking por estado, o Ceará aparece no top 5 de piores taxas, com 14,1%. Porém, são conhecidos os avanços do estado na educação, com destaque para as políticas de alfabetização das crianças. Em 2021, segundo dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), o Ceará registrou 45% dos estudantes da rede pública com aprendizado adequado em leitura — percentual, obviamente, aquém do necessário, mas que está acima da média nacional (36%). E, vale dizer, o índice do Ceará sofreu uma queda muito expressiva na pandemia: em 2019, 75% dos alunos do 2º ano da rede pública tinham aprendizado adequado em leitura, ante 55% da média brasileira.
Este não é um texto para enaltecer esse ou aquele estado, mas, sim, para nos lembrar de separar o joio do trigo ao analisar os dados. O Rio de Janeiro é outro bom exemplo: tem uma das menores taxas de analfabetismo adulto (3,3%) do país, mas enormes desafios educacionais. Em 2021, somente 27% dos estudantes do 2º ano da rede pública tinham aprendizado adequado em leitura. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) da rede pública do estado nos anos iniciais do ensino fundamental foi de 5,3, em 2021, ficando bem abaixo da meta (6,2).
Os dados de analfabetismo indicam a ausência de direitos mínimos a uma população e refletem a fragilidade de políticas públicas para muito além do campo educacional. Ser analfabeto(a) deveria ser exceção. Infelizmente, os números reforçam que não é: ter 1,5% de jovens de 15 a 19 anos analfabetos é um índice alto e vergonhoso. É preciso entender onde estão concentrados esses jovens e quais as razões de nunca terem frequentado a escola ou a abandonado precocemente. Ou ainda nunca terem aprendido enquanto estiveram vinculados ao sistema de ensino. A partir disso, criar políticas específicas e direcionadas a esse e outros grupos vulneráveis.
Esse é um diagnóstico e uma discussão. A outra, mais ampla, é o que o país tem feito e pretende fazer para garantir a alfabetização de todas as crianças na idade adequada, independentemente de sua cor/raça e origem social. Lembramos que, na rede pública, 64% dos estudantes não têm aprendizado adequado em leitura no 2º ano.
Acompanhar de perto as ações e resultados do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, lançado pelo governo federal em 2023, é um dos caminhos. Outro é apoiar os municípios com os maiores índices de analfabetismo adulto e de pessoas com baixa escolaridade para que tenham escolas públicas de excelência, uma vez que, nesses locais, as crianças dependem mais do sistema educacional para serem alfabetizadas.
*Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede); Lecticia Maggi, Diretora de Projetos no Iede
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