Editorial

Visão do Correio: A crise e os deslocados climáticos

O Brasil precisa se reposicionar no enfrentamento à crise climática caso pretenda sobreviver a ela. Recorrer a "experiências acumuladas no campo internacional" é um caminho, indica ONU

O sobe e desce das águas que assolam boa parte do Rio Grande do Sul já sinalizam, entre outros desafios, que cidades precisarão ser totalmente reconstruídas. Parece não haver casas, escolas, lojas ou hospitais de pé. Sobram adultos e crianças sem saber o que fazer e para onde ir. O cenário é propício ao chamado deslocamento interno por questões climáticas — um fenômeno que, só em 2022, segundo a Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), provocou a movimentação de cerca de 31,3 milhões de pessoas no planeta. Em torno de 680 mil estavam no Brasil. Com a atual tragédia climática em terras gaúchas — são pelo menos 615 mil fora de casa, estima a Defesa Civil —, surge no país uma urgência ainda maior em dar suporte a um universo de deslocados climáticos.  

Em entrevista ao Correio, Silvia Sander, oficial de Proteção da Acnur, conta que há um falso entendimento de que a crise ambiental tem levado as pessoas a deixarem os países em que vivem. Geralmente, há um deslocamento dentro do próprio território, e as Américas são uma das regiões do globo em que essa movimentação mais cresce, "considerando que os países estejam ainda mais expostos aos impactos das mudanças climáticas".

 À época do levantamento da agência das Nações Unidas, em 2022, o Brasil liderava os deslocamentos internos por desastres naturais na América do Sul. Fatores como a alta densidade populacional, aumento na ocorrência de extremos climáticos no país e a falta de um plano de resposta eficaz provavelmente nos mantêm em posição de destaque no ranking. Só em 2023, ocorreram 1.341 eventos climáticos no país — sendo 159 de médio ou grande porte — em 1.038 municípios monitorados pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). O número é recorde, sendo que 68% dos eventos se concentraram nas regiões Sul e Sudeste. 

Diante desse cenário crítico, não cabe mais amadorismo. O Brasil precisa se reposicionar no enfrentamento à crise climática caso pretenda sobreviver a ela. "Se já sabemos que esse tipo de incidente pode acontecer, (...) que a rede local já tenha plano de contingência que possa ser rapidamente ativado de uma maneira adequada (...). Isso vai organizar melhor e coordenar melhor ações de resgate com as de acolhimento, com ações de documentação, de encaminhamento para atendimento a serviços essenciais", indica Sander. 

Passado esse suporte emergencial, seguem novas demandas também complexas, como assistência psicológica aos atingidos, ações para reduzir possíveis deficits na educação das crianças e na saúde de adultos e idosos com doenças crônicas, além da reconstrução das áreas atingidas — sem repetir erros que facilitam deslizamentos, inundações e alagamento, entre outras tragédias.

 A oficial de Proteção da Acnur sugere às autoridades brasileiras que  recorram a "experiências acumuladas no campo internacional" para montar uma estrutura eficaz e sistematizada de resposta aos desastres climáticos. Essa é uma agenda prioritária aqui e no resto do mundo. E para se chegar aos resultados desejados, enfatiza Sander, as medidas precisam da "união de esforços".

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