Artigo

O papel das cidades no combate ao câncer de mama

Somente será possível transformar o cenário do câncer como um todo com um trabalho colaborativo, com parcerias duradouras entre o público e o privado

» MAIRA CALEFFI

O número de casos de câncer de mama é uma realidade crescente. Mesmo com as campanhas de conscientização que pintam o mundo de rosa em outubro, estima-se que, em pouco mais de 20 anos, tenhamos 3,3 milhões de novos casos da doença em todo o planeta — com mortalidade de cerca de 1 milhão de pessoas.

Grande parte desses números elevados de casos novos se deve à ausência de cuidados com os fatores de risco modificáveis — peso adequado, alimentação equilibrada e prática regular de exercícios físicos. Vivemos em um mundo cada vez mais obeso e sedentário. Por outro lado, a demora no acesso da população a exames preventivos de rotina e no atendimento especializado de ponta a ponta não favorece o diagnóstico precoce nem o tratamento menos agressivo. E é essa realidade que queremos mudar.

Costumo dizer que existe, aqui no Brasil, um grupo de obstinados. Médicos e trabalhadores da saúde  que não apenas seguem à risca seu compromisso profissional, como vão além. Se doam por meio da técnica e também do coração a causas que têm profundo impacto na sociedade e na qualidade de vida das pessoas. Essas pessoas que não esmorecem transitam por diversas áreas da medicina, mas me permitam ressaltar o trabalho de um grupo de mastologistas que tem feito a diferença no nosso país.

Recentemente, durante o 26° Congresso Brasileiro de Mastologia, realizado em Porto Alegre, pudemos compartilhar bons exemplos oriundos de diferentes cantos do Brasil. São amostras de resiliência e de boa vontade. De vontade pessoal, sobretudo. São casos que mostram como as cidades brasileiras estão se organizando para combater o câncer de mama com e sem auxílio público.

Em Campo Grande (MS), município com mais de 898 mil habitantes, um projeto que contou com o apoio de diversos atores conseguiu zerar a fila de espera para consultas com mastologistas. A Casa Rosa, como foi batizado o espaço, tem como prerrogativa oferecer atendimento especializado, acesso a exames e encaminhamento para tratamento em um só lugar. Idealizado pelo colega Victor Rocha, a iniciativa conquistou o apoio público, sofreu alguns reveses e, ainda assim, já atendeu mais de 7 mil mulheres e diagnosticou mais de 140 casos de câncer de mama em estágios iniciais.

Rio Claro, município com cerca de 205 mil habitantes do interior de São Paulo, também é bom exemplo, especialmente no cuidado com as mulheres no período pós-tratamento. Por meio da oferta de acompanhamento multidisciplinar, com profissionais de educação física, nutrologia e nutrição, o médico Daniel Buttros consegue devolver a autoestima e a vibração das vitoriosas que venceram o câncer. O Flor Azul — que foge à regra do rosa para ilustrar o câncer de mama — para além de cuidar e estimular o amor próprio, tem um impacto na promoção do autocuidado. Cada mulher que conclui o ciclo de seis meses de atividades monitoradas recebe um diploma e passa a ser promotora da causa, levando para casa e para a comunidade a importância da prevenção.

Destaco, também, o Goiás Todo Rosa, programa pioneiro no Brasil que vai ofertar, via Sistema Único de Saúde (SUS), exames genéticos de câncer de mama e ovário para mulheres com suspeita da doença. Nascido na capital desse estado com o nome de Goiânia Sempre Rosa, o projeto contou com o esforço da mastologista Rosemar Macedo Sousa Rahal em parceria com o município. O sucesso foi grande: a iniciativa conseguiu zerar a fila de espera por uma mamografia, capacitou dezenas de profissionais da saúde e extrapolou os limites municipais para cuidar de mais mulheres.

Porto Alegre, onde vivo e atuo, há algum tempo investe no combate ao câncer. Em 2019, a convite da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), em parceria com o Hospital Moinhos de Vento, foi proposta à prefeitura da cidade a vinda da iniciativa suíça City Cancer Challenge. Com total suporte de várias secretarias municipais, foram formados grupos multiprofissionais entre técnicos da área da saúde pública e privada que, junto com gestores e pacientes, examinaram os desafios que a cidade enfrentava. Esse trabalho ganhou continuidade por meio do  Instituto de Governança e Controle do Câncer (IGCC), que tem como objetivo atuar na proposta e no apoio de iniciativas que colaborem para a promoção da atenção oncológica de qualidade.

Transformar o cenário do câncer como um todo depende de pessoas e da compreensão que precisamos de mudanças, mesmo que simples. Somente  será possível com um trabalho colaborativo, com parcerias duradouras entre o público e o privado. E, claro, com vontade de fazer a diferença. Isso, nós temos de sobra.

*Médica mastologista, chefe do Núcleo Mama do Hospital Moinhos de Vento e presidente do Conselho de Diretores do Instituto de Governança e Controle do Câncer

 


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