Artigo

Lições do Rio Grande do Sul para repensar o desenvolvimento

A tragédia no Rio Grande do Sul deve servir como um alerta para todo o Brasil: é hora de repensar nossos modelos de desenvolvimento e infraestrutura

SÉRGIO GUIMARÃES*

As recentes catástrofes no Rio Grande do Sul nos lembram brutalmente das consequências da negligência ambiental e da falta de infraestrutura adequada no nosso país. Enquanto enfrentamos essa dolorosa realidade, outro drama, por enquanto mais silencioso, mas potencialmente tão devastador, se desenrola na Amazônia e no Cerrado: o desmatamento descontrolado que ameaça não só a biodiversidade local, a disponibilidade de água e as comunidades que delas dependem, mas também o equilíbrio climático global.

Há tempos os cientistas são unânimes em alertar que estamos nos aproximando do ponto de "não retorno", que, uma vez ultrapassado, desencadeará processos irreversíveis, comprometendo a capacidade de regeneração da floresta e intensificando eventos climáticos extremos por todo o Brasil — como secas severas e inundações devastadoras, como vimos recentemente no Rio Grande do Sul, tragédias que poderiam ser mitigadas com políticas públicas mais robustas e conscientes.

Grandes projetos de infraestrutura, rodovias e hidrelétricas, por exemplo, continuam entre os principais fatores que levam ao desmatamento. A história mostra que a BR-364, que impulsionou a ocupação de Rondônia, a BR-230, conhecida como Transamazônica, e a BR-163 se constituíram no fator decisivo do processo de devastação na região, especialmente pela crônica falta de governança mesmo quando havia medidas construídas coletivamente para evitar os impactos socioambientais, como o plano BR-163 Sustentável, que foi totalmente abandonado.

Da mesma forma, hidrelétricas como Tucuruí, no Rio Tocantins, Belo Monte, no Rio Xingu, Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, e quatro barragens construídas simultaneamente no Rio Teles Pires (afluente do Tapajós), além dos impactos diretos na floresta, na fauna aquática, no regime hídrico de grandes rios e nas comunidades ribeirinhas, contribuem para o desmatamento, as emissões de metano e outros gases de efeito estufa e para a ocupação desordenada da região, incentivando a migração para cidades que já padecem com o deficit de infraestrutura básica.

É preciso assumir que essas atividades não estão precedidas por estudos suficientes para uma tomada de decisão com base técnica — muitas vezes, são definidas a partir de interesses políticos e de setores econômicos diretamente envolvidos — e que aprofundam o processo de desmatamento na região. Exemplos mais recentes, como a Ferrogrão (um projeto de ferrovia de 933km² de extensão entre Sinop (MT) e Santarém (PA), hidrelétricas no Rio Madeira, hidrovia no Tocantins e a proposta de Corredores de Integração Sul-Americana, também têm sido sinônimo de devastação ambiental.

Também é necessário lembrar que o Brasil foi um dos países signatários da Declaração do Uso de Florestas e Terra dos Líderes de Glasgow da COP26, em 2021, que firma o compromisso total com o reflorestamento e a preservação florestal até 2030. Na COP27, no Egito, o presidente Lula reafirmou o compromisso com o acordo internacional. No entanto, as promessas ainda estão distantes da realidade no território. Com isso, o desmatamento avança e os impactos socioambientais se agravam.

Diante desse cenário, é imperativo intensificar e diversificar as ações para proteger a Amazônia e o Cerrado. É essencial promover um diálogo constante entre o governo, organizações da sociedade, movimentos sociais e outros atores para criar políticas públicas eficazes e mecanismos de decisão transparentes e inclusivos. Uma estratégia de atuação efetiva deve ter em vista a proteção da floresta, dos sistemas hídricos e, ao mesmo tempo, respeitar as comunidades e beneficiar a economia regional e a vida no planeta em termos de biodiversidade e equilíbrio climático.

É necessário ainda que as decisões sejam precedidas de estudos robustos de riscos socioambientais, viabilidade econômica e de análises de alternativas de custo-benefício social, ambiental e econômico. Alternativas que devem considerar prioritariamente as necessidades de fortalecimento de uma economia regional sustentável e as necessidades das pessoas, em especial dos grupos mais vulneráveis. Também urge uma comunicação simplificada e bem direcionada, que consiga chegar aos diversos segmentos da sociedade para que, assim, a população possa contribuir com o processo de tomada de decisão.

A tragédia no Rio Grande do Sul deve servir como um alerta para todo o Brasil: é hora de repensar nossos modelos de desenvolvimento e infraestrutura. Não podemos permitir que a busca por progresso econômico imediato continue a sacrificar o meio ambiente e a segurança das atuais e futuras gerações. Agir agora é fundamental para evitar que as cenas de destruição que chocaram o país se tornem cada vez mais comuns. 

*Secretário executivo do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental

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