THIAGO DINIZ*
Ainda na ressaca do show de Madonna e seguindo nas reprises, resolvi escrever algumas linhas sobre diplomacia pública. Ainda me deparo com alguns comentários sobre a queda da influência dos Estados Unidos no mundo. O país estaria perdendo posições ora para a China, ora para o Japão ou mesmo para a Coreia do Sul, na mais recente onda K-POP. Tudo certo, novos tempos, mundo caminhando. Mas aí, vem Madonna com todos os anos 1980 de volta e coloca-me para repensar tudo que estava investigando sobre influência entre nações. De um modo geral, diplomacia pública é uma prática na qual os governos ou organizações buscam influenciar e informar o público estrangeiro sobre suas políticas, valores e interesses. Em vez de se concentrar apenas em negociações entre governos, a diplomacia pública se volta para a comunicação direta com cidadãos estrangeiros, muitas vezes utilizando mídias sociais, programas culturais, intercâmbios educacionais e outras formas de engajamento público. O objetivo é construir relações positivas e criar apoio para as metas políticas e estratégicas de um país ou organização.
Alguns países edificaram estruturas de influência bastante competentes e sólidas, especialmente durante o pós-Guerra. Estão nesse rol instituições como o Instituto Goethe, da Alemanha, o Cervantes, da Espanha, e o Conselho Britânico, do Reino Unido. Os Estados Unidos basearam parte de sua estratégia de soft power estabelecendo uma emaranhada rede de produção cultural, que vai desde o cinema passando pelas séries de TV fechada e, naturalmente, pela música.
E a diva do pop é um produto cultural dos mais poderosos. Ao menos aqui, no Brasil. Como marca, ela carrega tudo o que qualquer manual sério de marketing sugere: posicionamento, inovação e regularidade. Aliás, Madonna é remanescente de um período de extrema efervescência na produção musical e de propaganda norte-americana. Para além da música, quando nem se falava da figura do influencer, ela foi agente importante na moda e no comportamento. Para quem viveu os anos 1980, ela surge bem ali, no governo do republicano Ronald Reagan, um dos presidentes mais conservadores da história e grande defensor da corrida armamentista com a União Soviética. Também são dessa época os filmes Rocky Balboa, Rambo e tantos outros que contam histórias de heróis estadunidenses que lutam contra toda a sorte de supostos terroristas ou de algum ditador menos abastecido de armas russas. Ela atravessou décadas como um símbolo libertário, contestador, defensor da democracia, ou seja, nada mais encaixado ao sistema de diplomacia pública dos Estados Unidos. Claro que aqu, estamos falando de imagem, nem sempre da prática internacional em si.
Quando trazemos a matéria para a realidade do Brasil, somos um país tentando construir uma imagem no exterior. Naturalmente, temos grandes ativos permanentes. A questão da exuberância da natureza, a receptividade do povo e a extrema pluralidade cultural são grandes marcas reconhecidas no mundo. Mesmo assim, os impactos da pandemia e o recente sequestro de símbolos nacionais — pertencentes ao povo, e não a um ou a outro governo — mergulharam o país num cenário difuso no reconhecimento do orgulho e também dos ingredientes que dispõe para utilizar em uma estratégia própria de diplomacia pública brasileira.
O fato é que Madonna chegou aqui como o fenômeno político que sempre foi. E os Estados Unidos vieram junto com ela. Aliás, precisamos de um estrangeiro para ressignificar o nosso maior símbolo de identificação e de marca. Ao som de "music", ela busca numa batucada, ícone da imagem brasileira no exterior, reinventa toda uma gama semiótica para mostrar aos brasileiros que a bandeira é de todo mundo. Junte tudo isso a um caldo de funk, de samba, de Pabllo Vittar, numa tentativa clara de mostrar que somos mais do que achamos que somos. É como se, depois da influência de Madonna, esse ícone da cultura pop americana, a imagem do Brasil para que ele mesmo voltasse a fazer sentido outra vez.
*Publicitário, jornalista, mestre em marketing pela The University of Huddersfield e doutorando em Comunicação pela UFPE